Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Autoficção: Lapsos de memória (I)


Inquilinos da casa paterna

Tia Isolina, ou tia Zola, irmã de meu pai, foi a mais próxima da família. Afinal, morava no terreno de nossa casa, junto com meu avô, numa casinha de pau-a-pique e barro, com três pequenos cômodos. Um quarto, periodicamente habitado pela gata rajada sempre se reproduzindo, uma sala no meio, e uma cozinha minúscula, com fogão à lenha, onde tia Zola fazia seu café e alguma refeição.

Se eu nasci em 1946, numa pequena cidade do interior paulista, Tanabi, ou “Terra das Borboletas”, essas lembranças certamente eram da década de 50 a 60. Foi em 1964, quando tinha 18 anos, que nos mudamos para a capital do estado, São Paulo. A exatidão cronológica – e detalhes – não fazem parte desses relatos, memórias em fragmentos, do que, beirando os 80 anos, ainda sou capaz de recordar e coragem para escrever em testemunho.

Essa casinha de barro era uma extensão da lavanderia, onde ficava um poço de água, movido à mão, quase sem uso. Lembranças de outros tempos que eu não vivi, talvez antes da construção da casa onde moramos por mais ou menos 20 anos.

Havia água encanada no tanque de lavar roupas.  Mas, se faltasse água da rua, então o poço era acionado, reativado na corda, no balde e numa manivela à mão. Ficava fascinada, querendo ver literalmente o “fundo do poço”, mas tia Zola dizia que havia monstros lá no fundo, cobras venenosas e que a água era “doente”.

No alpendre da lavanderia, a água da lavagem de roupas escorria e inundava as taiobas, uma folhagem comestível, ao lado de uma goiabeira, com grandes tesouros em seu trançado rés do chão. As taiobas foram praticamente cobertas por uma folhagem oportunista, que servia de coradouro para as roupas, isto é, ficavam estendidas ao sol para tirar o encardido e branqueá-las, como era de costume. Às vezes me metia lá dentro e encontrava objetos perdidos e alardeava, o melhor foi um “pênis” num vidrinho, isto é, o apêndice de minha tia.

Nas brincadeiras, os meninos não me deixavam participar, então tinha que chamar a atenção de alguma forma. Ah, quanto sofri por conta disso, vou contando ou relembrando episódios aos poucos. Tia Zola sempre ficava atenta a nossas brincadeiras, nos vigiando, se não para o bem, para o mal em que a inocência derrapava.

Meu pai construiu um quarto de alvenaria, anexo à garagem, em sua parte de trás, ao lado da pequena casa antiga.  Nesse quarto dormiam meu avô, viúvo desde sempre, e tia Zola, cada qual em sua cama encostada na parede. Havia um biombo no meio, talvez para se trocarem pudicamente. Não havia banheiro, usavam penicos. Mas havia uma “casinha” de alvenaria no final do terreno, com um buraco no meio e um lugar para pôr os pés onde, agachados, sem perigo de cair na bosta acumulada, eles faziam suas necessidades e despejavam o penico da noite.  De vez em quando, na hora dos “apertos”, eu ainda usava a casinha, mas tinha medo e nojo. O fedor era horrível.

Meu avô, velhinho magro e alto, de olhos azuis, usava algo muito exótico para se limpar: sabugos de milho seco que ficavam enfiados na parede! Nunca entendi como aquilo podia servir... Depois, ele jogava o sabugo usado no buraco.

O avô e a tia não tomavam banho de chuveiro, se lavavam numa bacia. E meu avô, fumante de cigarro de palha, não gostava de trocar de roupa, sempre fedendo ao fumo forte de rolo. Mesmo assim, as crianças gostavam muito dele. Mais do que histórias, contava causos e ouvíamos o rádio que ele tinha na salinha, incluindo as novelas, principalmente, às 6 da tarde, as aventuras de “Jerônimo, o herói do sertão”. Seu neto preferido e mais atento era meu irmão mais velho, o Luís, cúmplices de “ouvido”.

Ele morreu depois dos 80 anos, o que, para mim, era realmente uma idade velhíssima, como o fim do mundo. Tia Zola iria sobreviver e morrer na capital, sempre alijada num quartinho dos fundos. Indiretamente, fazia parte de nossas vidas.

Perguntávamos a tia Zola porque ela não tinha marido e ela dizia que tinha ficado noiva e o noivo morrera. Como era o nome dele tia? Lusc-fusc, respondia... e eu acreditava nesse tio lusc-fusc que nada iluminara. Magérrima, morena, cabelos escorridos e olhos empapuçados, possivelmente herança de sua mãe “bugra”, tia Zola capengava de uma perna, tinha o lado direito torto por causa de um derrame, como diziam. Mais tarde fiquei sabendo que tivera paralisia infantil.  Mas fazia crochê, em linha fina e até me ensinou a fazer biquinhos para uma avaliação de Trabalhos Manuais, no antigo ginásio.

Só sei que tia Zola era muito maliciosa; depois compreendi que tinha ciúmes e inveja de minha mãe, uma mulher jovem e bonita, descendente de italianos. Praticamente eu não conversava com ela, sempre ocupada, daí ouvia tia Zola.  Ela me dizia coisas horríveis que me marcaram bastante. De leve me disse que italiano era sujo, não gostava de tomar banho e de pesado me disse que minha mãe tentava fazer abortos.       

Numa família católica, indo à missa e frequentando catecismo, eu imaginava minha mãe, a grande pecadora, quando ela se confessava e comungava. E minha mãe ainda cuidava dela e do sogro, com o zelo de sua responsabilidade.

Em Tambaú, uma cidade do interior do estado, havia um padre, Donizetti, que fazia milagres, ainda hoje reverenciado. Meu pai, minha mãe e tia Zola foram para lá. A esperança de ver a tia Zola andar normalmente, curada, era compartilhada por todos. Decepção! Na volta, nada de milagre, eu não conseguia entender esses desígnios. Mas, hoje, penso, que sensações – ou remorsos - teria ela tido???

Bem, o que sei é que muitos anos depois, morando longe, foi o que minha irmã, morando em Sampa, me contou por telefone, porque a viu morta. Disse que ela estava estendida no caixão, sem o braço torto, a perna esticada... Será a morte o milagre esperado?

 

Elisabet Gonçalves Moreira

Petrolina, 29/03/24 (refeito em julho 2025)

Ilustração retirada da Internet (https://soudealgodao.com.br/blog/5-beneficios-do-trabalho-manual-para-a-terceira-idade/ Acesso em julho 2025)

 





quarta-feira, 25 de junho de 2025

NAS RAIAS DAS (IN)CERTEZAS: ENCONTRO IMAGINÁRIO: DURAND, BAKHTIN E PEIRCE

 

Para que a criação ocorra é necessário imaginar, princípio básico. Assim, posso criar um encontro imaginário, mesmo que introdutoriamente, entre o francês Gilbert Durand (1921-2012), o russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) e o estadunidense Charles S. Peirce (1839-1914).

Nas minhas pesquisas, já os havia encontrado e percebido os liames epistemológicos do que defenderam e desenvolveram criativamente. De referência comum há o fato de todos eles terem sido filósofos, entre outras atribuições, o que antecipa idiossincrasias em suas concepções teóricas e o pragmatismo distintivo de cada um.

Espécie de incipiente roteiro teatral para esse encontro fictício, procuro sintetizar alguns postulados dos envolvidos, em que também me situo e admito. São muitos anos de estudo e de embates metodológicos, artigos e trabalhos práticos, alguns publicados. Entendo que a própria seleção dos envolvidos – apenas três - já implica num olhar limitado, senão atrevido, de interesse pela reflexão e pela empatia com as teorias que os caracterizam, tentando mostrar, ainda que sumária e racionalmente, onde se encontram e onde se distinguem.

E propor, como objetivo deste artigo, uma atenção interdisciplinar mais acurada, em especial nas análises, olhares e leituras de fatos, referências, objetos, textos, arte. Ressalte-se que todos eles, seja Durand com seus estudos sobre o imaginário, Bakhtin focando no diálogo polifônico, Peirce em sua tríade gerativa de significados, não se circunscrevem isoladamente.

Há influências e colaboradores em suas concepções, múltiplas e abrangentes. Portanto, não é tarefa fácil trabalhar em determinada direção ou restringir aspectos. Até porque não conheço em profundidade o complexo arcabouço teórico de suas obras extensas e da bibliografia resultante. Desse modo também não vou colocar citações ou uma bibliografia. A incompletude fica como desafio.

O que percebo, no final de contas, é a linguagem humana e comunicativa que está na base desses estudos. Uma linguagem produzida por signos ideológicos, simbólicos e gerativos de significação, que desembocam na criação do imaginário. E que se amplia na decodificação de signos verbais e não verbais, acústicos, pictóricos, em sua multiplicidade ontológica. E onde nos reconhecemos humanamente. Nós e o outro, em sua alteridade existencial.

É, pois, a troca de significados entre o original, a produção e a recepção, uma dinâmica essencialmente dialógica, traduzida em possibilidades e relações de sentido, como estruturou M. Bakhtin em várias de suas obras. Intertextos, memórias do passado e expectativas de futuras respostas podem ser ressignificadas nas diferentes vivências.

Gilbert Durand insere o imaginário na relação com o cosmos e o meio ambiente, na noção fundamental do “trajeto antropológico”, propondo uma espécie de gramática iconológica que obedece a uma lógica de imagens, constituída por dois regimes, diurno e noturno, e três estruturas antropológicas que configuram o imaginário e que orientam as análises nessa linha específica, a chamada mitocrítica. Sob a teoria do imaginário, as constelações simbólicas seriam os conjuntos que se interligam em diferentes culturas, provenientes de narrativas míticas; a imaginação simbólica vai se manifestar quando o significado não é de modo algum apresentável e o signo só pode referir-se a um sentido e não a uma coisa sensível.

Charles Sanders Peirce, associado a um conceito básico nos estudos da contemporaneidade, a Semiótica, ou ciência geral dos signos, tendo em vista que a compreensão dos elementos da realidade não ocorre independentemente das suas representações. Desse modo, configura-se como aplicável à compreensão de diversos e distintos sistemas de linguagem, incluindo no momento, os estudos de e sobre o imaginário.

Feitas essas ligeiras apresentações, podemos, portanto, iniciar a interlocução desse encontro...



G.Durand. A questão da lógica, de que Peirce trata, também foi tratada por mim, na análise das imagens representativas. Acho que podemos discutir mais diretamente a questão do símbolo, pois ele é sempre a manifestação de um significado oculto, que transborda as barreiras da conotação comumente adotada pela dimensão do código linguístico. 






C.S.`Peirce. OK. Nunca "fecharemos" diretamente essa questão, mas a subjetividade da leitura do símbolo é sempre um desafio.



M. Bakhtin. Sim, há muito a se discutir, talvez nunca desfazer os nós e equívocos do que pensamos, assim como de nossas vidas e suas incompletudes. Porém, antes de mais nada, devemos considerar que todo ato de compreensão é dialógico, diferenciando-se de uma postura linear, ainda retrógrada, cartesiana. Jamais um pesquisador será neutro, estará sempre permeado pelo seu horizonte avaliativo. Na atividade científica, a relação do pesquisador com o objeto entra em diálogo com os discursos observados e com os discursos anteriormente produzidos sobre o objeto. Mais do que uma questão metodológica, é uma questão de princípio.



G.Durand. Concordo. Justifico essa dinâmica investigativa, interpretativa, pois o símbolo sempre trará um significado adicional, indicado por meio da narrativa onde é empregado e os elementos com os quais ele se integra. Dentro de um código linguístico deve-se observar seu movimento, adaptação e valorização em cada contexto. Assim, em minha teoria sobre o imaginário, acrescentei a universalidade dos arquétipos, o que contrasta com os símbolos que apresentam diferenças dependendo do meio. Por isso faço uso do “trajeto antropológico”, essa incessante troca que existe ao nível do imaginário, entre a subjetividade desse pensar e os desafios objetivos que emanam do meio cósmico e social.

C.S.Peirce. Exatamente. Desenvolvi a semiótica, uma teoria geral dos signos, na tentativa de descobrir a lógica que fundamenta as nossas concepções do real e como o conhecimento cresce a partir do compartilhamento e debate de opiniões no interior de uma comunidade. Considero o signo como o meio para a transmissão das formas que fundamentam os conceitos, e a comunicação como a mais elevada dos vários tipos de ação do signo. Sempre trabalhamos as mediações simbólicas em processo contínuo e interativo.

G.Durand. Nessa linha, acho importante esclarecer o fato de que os símbolos se mantêm discutíveis e em contínua transformação. De todo modo, discordo de Pierce, pois não vejo o símbolo como arbitrário, há um sentido natural, como imagem em sentido mais amplo, um modo de a consciência apresentar objetos que não se apresentam diretamente à sensibilidade. É isso a que chamo de símbolo: a reunião dessa imagem com um sentido. Por isso é uma imagem simbólica, reveladora de uma maneira de enfrentar ou compreender sua inserção no mundo.

C.S.Peirce. Mas é essa também sua natureza gerativa: crescer e se desenvolver num universo inteligível e repleto de sentido. Chamei esse aspecto de semiose. Aliás, nessa conversa, há sempre uma palavra que já foi usada, virou clichê, mas é fundamental: entender como processo, de uma dinâmica intrínseca. No caso, o processo de significação em sua função semiótica, que ocorre em todo ato de linguagem, seja ela artística ou não. Mesmo que a vejamos diferentemente em sua concepção particular.

M.Bakhtin. Percebem como estamos falando de teorias e práticas em comum? Claro, há distinções e muitas. Mas ressaltamos que a pertinência de uma perspectiva dialógica se dá pela análise das especificidades discursivas de situações em que a linguagem e determinadas atividades se interpenetram, assim como do compromisso ético do pesquisador com o objeto que, dessa perspectiva, é também ele, um sujeito histórico, atravessado por relações de poder que provocam efeitos no mundo social.  Não é possível, em pleno século XXI, aceitar uma análise monodirecionada, alguns estudos de mão única que vemos em registros variados.

G.Durand. Entendo que precisamos nos encontrar outras vezes, especialmente nos trabalhos de mitocrítica, mostrando que nossa subjetividade pode e deve ser trabalhada de uma perspectiva polifônica, um diálogo de muitas vozes e consciências, assim como de um entendimento mais amplo da semiose, um processo de significação ilimitado, dinâmico e gerativo dos símbolos em nosso imaginário e em nossa humana condição. Tudo vai culminar na dinâmica sociocultural e organizacional dos mitos, sua razão de ser contra a angústia do tempo e da morte. Afinal, em nosso mundo contemporâneo, lidamos com uma multiplicidade de sistemas semióticos em jogo no processo de produção de sentidos.

...oooOooo...

Teria sido possível esse encontro? Haverá outros? De todo modo, para concluir, apresento um gráfico gerado por IA mostrando a intersecção, senão entre eles, as teorias que os representam e o propósito deste artigo, entre coloquial e um tiquinho irreverente...




Gráfico gerado por IA mostrando a intersecção entre imaginário, semiose e dialogismo, com a ajuda da ferramenta de IA GPT-4 da OpenAI., em setembro de 2024.

 1.      Círculo do Imaginário em amarelo:  Representa o conceito de “imaginário”. Ele abrange ideias, símbolos e imagens, incluindo mitos, sonhos e arquétipos 

2.      Círculo da Semiose em azul: Neste círculo, encontramos o conceito de “semiose”, que se refere aos processos de significação e interpretação de signos. A semiose está relacionada à linguagem, símbolos e comunicação.

 3.      Círculo do Dialogismo em rosa: O terceiro círculo representa o “dialogismo”. Aqui, exploramos a interação entre diferentes vozes, perspectivas e discursos. O dialogismo é central na teoria de Bakhtin sobre a linguagem e a literatura.

                                                                           

 

 Elisabet Gonçalves Moreira

(Nos idos de setembro de 2024, margem direita do rio São Francisco)






segunda-feira, 16 de junho de 2025

ENTRE SÉCULOS

                                                                                            Passagem do século XX e do milênio: 1999-2000



2025: 1/4 do século XXI
                         

                                          EU/NÓS

 

1999-2000

Nós vimos a passagem do século e do milênio.

Privilégios e desígnios que agradecemos.

O tempo cósmico ou o tempo contado nos balançou nas expectativas e na realidade do fato. Agradecer a quem? Uma família constituída e palavras ocas de significado. Paz, Amor, Saúde, Sucesso. Bordadas em ponto cruz, registro emoldurado.

2025: ¼ do século XXI

25 anos depois, o que acrescentar?  A fração constata o tempo que se atravessa. O pequeno bordado, agora num bastidor da moda, atualizado com os nomes de uma família ampliada nos traz a realidade fictícia do passado, presente, futuro. Por precaução, as datas do nascimento de cada um.

Em ponto cruz... cruzam-se os dados, talvez os dedos para desejos em continuidade. O que restou?

A ilusão do registro não chama a atenção, vive-se sem atinar para o ciclo dinâmico do que não nos pertence. Apenas duramos...

Elisabet G. Moreira

Petrolina, 27/5/25



terça-feira, 3 de setembro de 2024

PROFESSORA APOSENTADA PUBLICA ARTIGO

 Sensacionalista a chamada? Nem tanto... mas, talvez merecesse o adjetivo de ousada para os dois substantivos. Nada a ver com superação, mas subjetivar a alegria do encontro com suas raízes no aprendizado de quatro décadas atrás, no Mestrado de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo, com orientação especial de Boris Schnaiderman. E que venho desenvolvendo em pesquisas e trabalhos, muitos deles aqui publicados. E em outros periódicos, colunas e revistas. Nesse caso, é minha primeira publicação na revista RUS, da USP, embora tenha outros dois artigos publicados na década de 70. 

No portal de revistas da USP: https://www.revistas.usp.br/rus/

Edição RUS, Vol. 15, Nº 26, de maio de 2024 : Tolstói - pensador e artista da diferença


Além de poder acessar a edição completa, em PDF, lá está o meu artigo, especificamente nesse link:

https://www.revistas.usp.br/rus/article/view/222278

Anna Kariênina: interfaces ilustrativas da personagem

AutoresElisabet Gonçalves Moreira

  • Elisabet Gonçalves Moreira Pesquisadora independente

DOI: 

https://doi.org/10.11606/issn.2317-4765.rus.2024.222278

Palavras-chave: 

Anna Kariênina, Tolstói, Dialogismo, Análise semiótica

Resumo

Este estudo analisa e compara três ilustrações da personagem Anna Kariênina, do romance de Liev Tolstói, veiculadas em diferentes mídias, com objetivos e público específicos. A primeira ilustração é traduzida num retrato artístico e pessoal de Anna K. por uma artista polonesa em um magazine digital; a segunda remete a uma fala da personagem na obra de Tolstói, ilustrada através da tradicional boneca matrióchka, em um magazine dos Estados Unidos, também acessível on line. A terceira ilustração é capa de um mangá, de origem japonesa, traduzido e editado na Espanha, em formato de pocket book.  A ilustração de Anna Kariênina, no mangá que leva seu nome, apresenta os traços invariantes desse estilo de histórias em quadrinhos, mas que dão ao significante outra conotação como meio específico de comunicação de massa. Além da oposição verbal x não verbal, nas interfaces, articulam-se percepções e pontos de vista. A relação dialógica entre o signo e o leitor evidencia leituras e ideologias fundamentais como caminhos e vias da interpretação, com destaque para a análise semiótica.

(...)

Biografia do Autor

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

FASSLER, Joe. Seção By Heart - Periódico on line The Atlantic, de 3 de novembro de 2015 https://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2015/11/by-heart-mary-gaitskill-tolstoy-anna-karenina/413740/ - Acesso em agosto de 2021.

GROENSTEEN, Thierry. O sistema nos quadrinhos. Nova Iguaçu, RJ: Marsupial Editora, 2015.

LOTMAN, I.M. Sobre o problema da tipologia da cultura. In: Semiótica Russa – Organizador Boris Schnaiderman. São Paulo, Perspectiva, 1979.

LUYTEN, Sonia B. Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo, Hedra, 2012.

ROSSIGNOL, Susana (Redatora e fundadora da Geração Friki – seção “Comics”).

https://www.generacionfriki.es/comics/anna-karenina-una-adaptacion-al-manga-que-pierde-la-esencia-de-la-novela/ - Acesso em 06/02/2024

TEZZA, C. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

TOLSTÓI, Liev. Anna Kariênina. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

TOLSTÓI, León. Anna Karenina el manga. Barcelon: La otra h, 2017.

WRZOSEK, Agnieszka. Anna Karenina, ilustração para K Mag magazine on line, março de 2013. (https://cargocollective.com/agiewu/Anna-Karenina).

Sem autoria. La otra h (www.laotrah.com) - Selo gráfico da editora Herder. Acesso no blog https://herdereditorial.com/coleccion/la-otra-h?utm_source=herder&utm_medium=organic&utm_campaign=08&utm_id=blogmenu - Acesso em 03/02/2024

Manga de Dokuha. Wikipedia – enciclopédia livre. https://en.wikipedia.org/wiki/Manga_de_Dokuha - Acesso em: 03/02/2024.






terça-feira, 25 de junho de 2024

DESAFIOS DO IMAGINÁRIO (III)

 

Viagem à volta de mim mesma...


Transitando entre símbolos, mitos, alegorias, metáforas, fui armazenando linguagens nas dobras de um inconsciente inquieto.

Signos em decifração, sempre interessada pelo conhecimento e pelo fazer. Na espiral, entre descidas e ascensão, pude vislumbrar hiatos e incongruências.

Nesse lugar nenhum onde o movimento nos lança para além do real e da fantasia, dancei à beira do lago sagrado querendo nele mergulhar, me segurando em suas faldas voláteis.

Sonho de uma noite de primavera, antecipei o outono. Tempo passageiro como todos os tempos, acreditei na possibilidade da permanência.

Cronos não quis nem conversa. Estava muito distante e entretido entretempos. Conversei com Einstein, aquele mesmo que desdobrou o tempo.

Foi gentil, mas duro, tudo passa e retornará. Agora mesmo vou ali e aqui, ontem, hoje, amanhã. Onde você se situa? Merda para todos esses mitos que mais bagunçam do que me esclarecem.

Na literatura encontrei Próspero que me isolou na tempestade mágica e me fez aguardar a calmaria. Apenas metáfora de uma espera onde o real se confunde – e rima - com o imaginal.

Imagina eu? Queria o dom, o banho mágico para vislumbrar além do visível. Então retornei a caminhos dantes navegados, resvalando nos anelos de minha limitada espiral humana.

E pude acumular totens, na significação de tempos e descobertas que se superpõem. Alegorias de mim mesma, continuo nessa jornada, ainda ansiando a beatitude de todos os desfechos.

In illo tempore


Esclarecendo: o desenho é de minha autoria, como ilustração e referência de minha "jornada acumulativa" no curso sobre Imaginário. E usei, no topo, uma citação de Freud: 

"O totem é, em primeiro lugar, o ancestral comum do clã, mas também seu espírito protetor e auxiliar." 

E encontrei esse belíssimo poema de Léopold Senghor, ex-presidente do Senegal,  O Totem. Seu manuscrito em francês, traduções em português, inglês, italiano e em espanhol.

Acredito que não esteja muito legível nesta foto, reproduzida acima. Portanto, vou colocar a versão em português.

                                                         (tradução de Gastão Gomes)

                          E o original em francês: lembrando que o Senegal, África, foi colônia francesa.

                                                                                                       LE TOTEM

     Il me faut le cacher au plus intime de mes veines
l’Ancêtre à la peau d’orage sillonnée d’éclairs et de foudre
Mon animal gardien, il me faut le cacher
Que je ne rompe le barrage des scandales.
Il est mon sang fidèle qui requiert fidélité
Protégeant mon orgueil nu contre
Moi-même et la superbe des races heureuses...

(Léopold Sédar Senghor, Chants d’ombre, 1945)

...oooOooo...


sexta-feira, 7 de junho de 2024

DESAFIOS DO IMAGINÁRIO (II)

 

Era uma vez...

Uma mulher com 2024 anos de idade que regressava teimosamente aos exemplos e cultivo de deusas ancestrais, rainhas da luz e das trevas. Espirais do conhecimento, movimentos de idas e voltas nos embates com o mundo e reveses além do cotidiano, neles se enovelava.

Louvou Inana, exemplo da única mulher deusa que, antes do dilúvio, desceu aos infernos e dele voltou, refazendo seu destino. Invocada, Inana fez companhia a essa mulher que, volta e meia, nos círculos do tempo, abria portais e lutava em desespero pela vida e pelo amor.

No oco do corpo, um abismo foi construído. Ali encontrou o caminho da descida, degraus que a sustentavam e que se deterioravam com o aglomerado de mágoas e culpas. Dos olhos mágicos de Inana vinham os créditos da continuidade, ainda que o risco da queda fosse previsível.

Entre o céu e a terra em que navegava Inana, essa mulher achou que também podia ser uma deusa. Mas o abismo em que descera, também submergia sua onírica intenção. Assim, passou a louvar seu monstro interno, ela mesma, gostando de ser algoz e vítima.

Inana sabia o que essa mulher não sabia. Encontraram demônios e os mais perigosos ela lhe ensinou a esconjurá-los. Da revolta guardou pouco saber, mas aprendeu a continuar. Cicatrizes ficam cravadas nas artérias em circulação, labirinto em que se perdera, sem fio de resgate.

Inana, numinosa, proferiu o dito irreversível, enunciado repetido, sucessivo, vozes em coro, em solos, pelos séculos e séculos amém “eu sou a luz do mundo”. E se despediu dessa mulher que ficou presa na metáfora epifânica de si mesma.

Então ela começou a subir os degraus da volta. Pelo oco do corpo foi vendo o que construíra, em galhos e papel, preto e branco, em cores, legitimando o reverso de sua humana aceitação. A espiral ascendente resplandeceu para que essa mulher entendesse para que viera e caminhara séculos e séculos amém!


Foto tirada do livro:

Inana: antes da poesia ser palavra era mulher/Enheduana: traduzido do sumério por Guilherme Gontijo Flores, Adriano Scandolara. São Paulo: sobinfluencia edições, 2022. (p. 84/85)




(os deuses dialogam entre si...)


terça-feira, 28 de maio de 2024

DESAFIOS DO IMAGINÁRIO (I)

 Criações a partir de textos e improvisações sobre o imaginário teórico me trazem de volta ao blog.  Uma ilustração acompanha, dialogando e/ou complementando.

A MEIO CAMINHO...

Solitária em seu destino de viajante humana, a mulher caminhou décadas e décadas, apostando em oferendas a que se obrigava. Esperando trocas, aplausos, assim vivia.

Entretanto, percebeu que suas oferendas nem sempre eram recebidas como esperava. Mesmo quando aprovada, idealizando plenitude, entendeu tarde dessa criação pelas bordas.

Egoísta, despachou humanas oferendas para longe de si, mais solitária em seu desejo de ser. Adornou-se como personagem de um jogo estático em seu avesso.

Cobriu-se de matizes vermelhos e laranjas, num semicerrar de olhos velados. Assim, não via o mundo e nem a si mesma, desengonçada em seu corpo rígido.

Sua bagagem era a do exagero, de tudo um pouco a sustentar sua inquietude.  Na diversidade de desafios, oscilava em ondas espiraladas.

Tentou ser árvore, pássaro, borboleta, mas lhe disseram a verdade da vida figurativa em cópias sucessivas, máscaras em que se auto representava.

Havia oferendas da noite nesse processo da viagem limite. Agradar a deusa (ela mesma) poderia compensar escolhas subjetivas, presos arbítrios na continuidade.

Houve um momento em que ela se ofereceu inteira. Rejeitada, sua crueldade transbordou no íntimo. E se manifestou em seu corpo, em juntas e dores tiranizando trajetos.

De todo modo, ela subsistia. Entendeu que a redenção é uma história para iniciados. Aguardando o final, outra deusa, sim, outra deusa mulher lhe falou da liberação possível.

Atender ao chamado do amor que subsiste como receita contra necessidades personalizadas de punição e ressentimento. Aplaudir sem vergonha o final do filme de que gostou.

E assim fez. O excesso de bagagem agora visto em outra dinâmica, a do prazer e inspiração.  Atirou longe o que se lhe afigurou desperdício de si mesma. Não era. Não foi. Abençoou-se.

Descaradamente, a criança interna se regozija e pode ser mais do que estar na espera do inevitável. Aprendendo a tingir de vermelho e seus matizes que acompanham o arrebol, continua viajante.