Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

sábado, 2 de abril de 2016

Depois destes dias tumultuados, em que a palavra "crise" se agudizou  e extrapolou fatos, ações e versões, finalmente consegui concluir este pequeno trabalho. (É certo que também andei bem ocupada com a tradução de uma tese e sua publicação, da qual falarei em outra postagem...)
Neste caso, exerço um pouco de minha atenção sobre o fazer poético, analisando alguns textos de poetas da região, depois de um evento para falar de poesia em seu dia, no SESC local.
Aguardo comentários... sei que a verdadeira poesia não se esgota em análises mas o rumo delas pode nos indicar subsídios interessantes. Obrigada.


O eu poético masculino e feminino: diferenças exemplares
Elisabet Gonçalves Moreira
Foi quase sem querer que, numa exposição sobre a poesia de Petrolina, pude observar reveladoras diferenças.  Claro que isso não é nenhuma nova descoberta, mas é interessante não só apontá-las nessas breves notas como levantar questionamentos e repensar até mesmo esta questão de gênero no gênero... poético.
Direto ao texto. É dele que emana outro viés da subjetividade da crítica, mas, de dentro para fora. Assim, IRENE LAGE DE BRITTO nos diz:
rompo o hímen da poesia
quando flagro palavras
em trânsito de estação
acordo arredias
amamento e,
incestuosamente,
nos despimos do cotidiano
brincando fantasias de estar
 
à revelia do milagre
a mão seduz o branco
ao desafiar seus limites de cor:
- branco, eu te quero verde!
sofro escorrego falsifico rimas
que desafiam a cor dos limites
masturbam o pensamento
e pecam poemas veniais
O que temos aí em termos de estrutura textual? Falando a professora de Teoria Literária, a função poética é dominante, mas a função emotiva, aquela que parte do eu, do emissor, está fortemente caracterizada. A subjetividade de um(uma) eu mulher se acentua nas imagens violentas de um estupro explícito para o fazer poético, neste amálgama com a metalinguística. O eu se integra a esse fazer, sensações e cores em fantasias, estranhezas no discurso e nas metáforas. Além do cotidiano, há também o desmascaramento da sexualidade feminina que ousa dizer, se masturbar e assumir o pecado.  E, assim, fazer poesia. Assumidamente poesia.
Dois textos de WESLEY HEIMARD, estudante de Direito, músico e poeta.
Quem tem 10 vacas quer ter mais 10
E fazer 20
A medida do ter nunca enche
Descansa assim quem nem vaca tem.
 
As aspas contém malícias
por isso aspas
nas minhas carícias.
O primeiro texto de Wesley  se apresenta na função referencial, com um ritmo que lembra os provérbios populares. Na leitura, em voz alta, há que se observar o uso de “Quem tem”, das nasalizações. A forma - e seu formato - se tornam pendulares, numa visualização que conota seu conteúdo, sua mensagem. Nestas referências, no uso do verbo ter – quem tem – quem não tem - o poeta mostra o ser engajado na crítica social, do capitalismo predador e desigual. Já que não existe medida para o ter...
No outro poema há uma ironia sutil, na ressignificação das aspas. Minimalista, quase um hai-kai, o eu não se revela diretamente em sua sensualidade (malícias), mas assume suas carícias pessoais. A repetição das palavras, as rimas em substantivos, reforçam o significado do que ficou subjacente, subentendido.
Na forma de quadras, WAGNER MIRANDA,  músico do grupo Matingueiros.
Quadras
Todo Lamento Profundo
Das angústias do universo
Talvez não caiba no mundo
Mas cabe dentro de um verso
 
Sigo meu rumo sozinho
Não tenho medo de nada
Com as pedras do meu caminho
Construo a minha morada
É muito fácil entender
Em sua cabeça isso ponha
O que faz um sonho morrer
É a inércia de quem sonha.
Wagner disse que fez estes versos aos 13 anos e nunca mais os esqueceu...  Quadras, como forma literária, estão nas raízes de nossa cultura. Redondilhas, rimas abab, quem esquece?
A função da poesia, o que queremos de nossa vida, são os motes destas quadras. Alarga-se a mensagem, amplia-se o eu poético, estamos todos na estrada, escolhendo caminhos e afirmando – ou não – nossos sonhos, nossas opções.
A musicalidade das quadras se afirma também neste viés da poesia, a poesia cantada, já que Wagner é um excelente compositor e arranjador.
JOÃO GILBERTO GUIMARÃES SOBRINHO em seu livro Quebranto – 2012:
Lição
Toda vida vivida em prol de outra
Soa como desperdício
Aos ouvidos de quem sofreu
A lástima
De ser metade quando poderia ser todo.
Há também nesta “lição” um propósito de vida. Proverbial, em terceira pessoa, o poema tem seu início com a palavra Toda – referindo-se a vida – para terminar com todo, referindo-se à metade do que não foi. Nos entremeios, o desperdício e a lástima por esta outra metade, o que poderia ter sido... a conjunção que não foi vivida ou uma vida alheia de si mesmo.
Um poeta jovem com uma lição de sabedoria. Não explicitamente no texto, o eu poético sabe que é impossível viver uma vida inteira. Isso me faz lembrar o poema “Passatempo” de Carlos Drummond de Andrade ao admitir que ao fazer ou não o verso “só encontra meia palavra”.
VIRGÍLIO SIQUEIRA
Um poeta destas bandas, da caatinga e das margens, o mais assumido que conheço, o que não se rende, que mostra
A fibra do que não se verga  
Depois de triturados
Meus pés virarão asas
E romperão, num galope alado...
Rumo aos horizontes
As pradarias do medo
(...)
Alazão afoito; afeito aos desafios
Atento, e contra desacatos
Avesso a desaforos
E à rendição
Se me podarem os braços
Brotarei em garras de impávidos tentáculos
Medusa de serpentes ígneas
Destemidas, quais membros que afagam
Defendem-se e atacam
Em lampejos de armas claras
(Porque só ao lume é grandiosa a busca)
Ainda que sufocada
Minha voz ressoará pelos ventos
(Afirmativa, decisiva e decidida)
(...)
E haverão de voar
Em sons que se alastrem
E em essências que se entreguem
À plenitude dos atos, aos quais se propõem
E que, por terem a fibra do que não se verga
Nunca se rendem; não se detêm, nem se decompõem
(In VAGA-LUMEAR - Página 321)
A voz do poeta deste lado de cá é firme, é forte, não tem medo, está na vibração, na essência do que foi dito. Como não ver nestes fragmentos do poema de Virgílio a voz masculina que pulsa nos versos que assume? Sim, é todo ele uma afirmação do poeta que se faz além das metáforas. A fibra vigorosa na plenitude do fazer poético, uma armadura para a eternidade.
Não é um contraponto aos poemas anteriores, é uma complementação. E complementa - ou finaliza - também a postura arrojada de Irene “à revelia do milagre”.
No final, fico assim, que diferenças haveria entre o eu poético feminino e o eu poético masculino? Se há posturas, há estilos, há gerações, há níveis diferentes no trato com a palavra e com a vida.
A voz feminina na poesia é de pouca monta. Mulher ainda fica nos arredores de um mundo essencialmente masculino, em seu poder de mando e de palavra. Mas, o mais importante, seja uma voz ou outra, é que seja poesia verdadeira. Essa inexplicável arte poética, essa linguagem de cujos significados e emoções refazemos nossas vidas, nossas esperanças, a canção que redime nossa frágil humanidade. Se não, que sentido teria fazer poesia?
 (Petrolina, 2/4/2016)
 
 
 
 

7 comentários:

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  2. Querida Bet, havia lido na semana passada seu artigo, confesso que fiquei encucado com a temática, pois nunca tinha me atentado a essa coisa da voz, feminina, masculina, não sei...tenho tentado sempre imprimir uma poesia abjeta, busca pelo imaterialismo do pensamento, na busca de amplificar sentidos e provocar o interlocutor, nesse caminho, penso que é possível trazer á tona também uma voz andrógina que chegue ao menos ao limite da fronteira que é ser o que quer que sejamos...Fico muito feliz que tenha citado aí algo meu, normalmente as pessoas têm apenas um olhar superfluo da arte, um entendimento simples resumido ao gostei ou não, o que coloca o poeta pesquisador na mesma fileira dos aventureiros(brutum fulmen), um grande abraço e por favor continue colocando toda a poesia em evidência. João Gilberto Guimarães

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    1. João Montana Gilberto Games Guimarães... obrigada pelo bem dizer. Quanto ao maldizer, vc mesmo o faz com acuidade. Quanto ao meio a meio, concordo com você. O que é a poesia senão amplificar sentidos? E talvez valha uma justificativa, perceber diferenças entre vozes de gênero, importaria? Embora isso possa transparecer - e procurei demonstrar isso, até porque tenho lido muita poesia feita por mulher - o que importa mesmo é ser Poesia...

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  3. A poesia se torna corpo e intimida toda casta literária que, porventura atente para a voz do discurso embutido nas entrelinhas de cada verso, ocasionalmente leio poemas femininos com ares de uma masculinidade incontestável e vice-versa, a poética assim como a música permite tais aberturas e isso é daquelas coisas que faz a literatura ser tão diferenciada. O poeta vive poesia incessantemente.

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    1. Olá John Williams, será que a poesia intimida mesmo? Não necessariamente... Fico também a pensar, o que seria esta casta literária? A "castidade" embutida nos preconceitos? Reconhecer características - ou vozes - talvez seja parte do meu olhar um pouco mais atento. Entendo perfeitamente a abertura sem posturas de gênero, pois poesia é Poesia... e concordo com você quanto a vive-la incessantemente. Obrigada pelo comentário. Gostei

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    2. A poesia intimida tanto que precisava doma-la todos os dias. O verso puro sempre tem significados gigantescos nas entrelinhas. A castidade que falo sempre tem seu espaço na poesia íntima, aquela que o poeta expurga com ferocidade de dentro do peito, o poeta é sonhador vitalício. Minha atenção se atraca principalmente no que não se diz na palavra escrita. Poesia é sentir e transpirar sensações imponentes. Alguns conseguem tal prazer outros nem sabem que isso existe.

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    3. Sensações impotentes talvez mais que imponentes... já que não se impõem. Pense também no leitor. Continue a domar as palavras, desafios prazerosos como diz você e concordo.

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