Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

sábado, 28 de dezembro de 2019

ONDE?


“Somos todos viajantes de uma jornada cósmica - poeira de estrelas, girando e dançando nos torvelinhos e redemoinhos do infinito. A vida é eterna. Mas suas expressões são efêmeras, momentâneas, transitórias”.
Deepak Chopra 

Entre lugares, sítios, cidades, construí pontes, desvelei enigmas e alegorias, me reconheci. Dar lugar ao amor é um mote humano e sensível. Epifania em deslumbramentos onde o olhar amoroso se encontra disponível se bem o vermos.

Abrir os olhos e o coração para as possibilidades do tempo e do espaço. Assim fiz e faço em minhas viagens. Aquelas onde tenho um transporte para mover e aquelas em que viajo dentro de mim, um constante ir e vir, assentando a expansão do conhecimento e das leituras que faço desse aprendizado.

Assim se deu, assim se fez, assim relato. Neste aqui, o trânsito se tornou perene e fixo na memória.


Saravá!

Décadas depois, relembro as emoções de conhecer, na mítica cidade de Salvador, Bahia brasileira, suas praias distantes, um terreiro de candomblé, a moqueca na lagoa do Abaeté, a capoeira de Mestre Pastinha... tantas lembranças e... um amor que até hoje me embalança.

Ali fui levada num sonho de mulher jovem e aventureira, desejosa de sol e de ver gente morena e bonita. Estudante paulista tem no imaginário a Bahia como referência para férias idealizadas, um projeto de vida em expectativa.

Primeiro foi uma viagem de quase três dias, em ônibus de linha comum, recurso para uma estudante sem dinheiro bastante. Desconfortável, fui aprendendo, em outros olhares, uma vista do interior brasileiro numa geografia de planos rápidos. Ao meu lado estava sentado um homem magro, muito simples e sério. Fiquei receosa, mas ele foi de uma postura elegante e correta. Sequer puxava conversa.

Aliás, foi só quando adentramos no estado da Bahia, numa parada na cidade de Vitória da Conquista que ele me ofereceu os frutos da época, doces e azedos umbus. Estava feliz, via nos seus olhos, e então soube que ele voltava para sua terra. O burburinho das pessoas oferecendo frutos e artesanato do lado de fora para os passageiros em suas janelas era vivo e forte. Tão distante do barulho da cidade grande, a poluição era de gente que respirava outros ares e anunciava lances para meu entendimento de um mundo a ser descoberto. E amado.

Tantos episódios. Minha ingenuidade e desconhecimento geográfico já se deu quando, ao anunciar que chegávamos à cidade de Salvador, eu achei que era um equívoco. Porque não via as serras, não havia curvas, como nas estradas de São Paulo ao litoral Paulista. Bem, a Serra do Mar acabara quilômetros antes... Essa possibilidade de comparação geográfica e humana é uma aprendizagem fundamental para o viajante de primeira ou última viagem.

Outro episódio, cômico, foi que, apertada para ir ao sanitário, entrei correndo no banheiro e fui barrada por uma funcionária que me disse, não, esse banheiro é masculino. Quando eu falei, ela então reconheceu em mim uma moça que, após três dias na estrada, nem parecia gente, quanto mais mulher. Ademais estava vestida como um menino, camisa e calças jeans, cabelos curtos. Um tempo de contestação também no visual.

Tinha o endereço do Hotel Colonial, na Ladeira da Barra. Havia sido indicação de uma amiga que, por sinal, também me indicara um primo que morava em Salvador, para algum contato, se preciso. Como minha amiga não fora na viagem que havíamos combinado, lá estava eu sozinha num grande quarto. Casarão branco antigo, altas portas e janelas azuis, o sonho estava se realizando.

Precisava comer. Sabia do restaurante universitário não muito longe dali. Fiz sucesso ali. Conheci o encarregado e conheci uma atração predestinada. Ele não liberou a comida de graça, como eu achava que minha carteira de estudante pudesse fazer, mas consegui o mesmo preço pago pelos estudantes locais.

Bem, o fato é que ele se desdobrou para me mostrar Salvador, para ficar a meu lado. Quando entrávamos no restaurante, os estudantes batiam os talheres no bandejão, saudando e fazendo comentários sobre o baiano que “ganhara” a paulista. Inda mais que ele era do interior do estado, lá das margens do rio São Francisco, um barranqueiro...

O Brasil vivia momentos políticos de repressão. Ditadura militar em curso. Havia uma vida paralela que não mostrávamos claramente, estudantes em lides ideológicas, procurando sobreviver em constantes conflitos. Não falávamos sobre isso, mas eu sabia – sempre soube – de que lado estava. Assim, “descartei” logo o apoio do primo da amiga, um burguês cheio de preconceitos. E ficava feliz com muitos pretendentes nesta Bahia de tantas cores. Minha juventude e graça tiveram seu momento de glória...

Mas eu escolhi sem titubear. Um fato. Um amor em sincronia.

No Pelourinho, um sítio dos mais atraentes da Salvador colonial, passeava com o barranqueiro, conhecendo e estabelecendo empatias nos mesmos gostos.  De repente, ele começou a assobiar, bem afinado, uma bela canção do folclore russo. Não acreditei, o espanto foi mútuo. Como, você conhece esta canção?

Conhecíamos.

Entramos na Igreja de Nossa Senhora dos Pretos e ele, emocionado, fez uma jura de amor, simbolizado neste encontro de conexões e emoções.


Fechando 2019, após 50 anos deste encontro, questiono e admiro o destino que me estava reservado neste lugar. Ou desde sempre predestinado?!



Ladeira do Pelourinho - Salvador, Bahia