Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

quarta-feira, 19 de julho de 2017

As cidades visíveis

Retomando um fazer: crônica... motivada por um curso com Luiz H.Pellanda. Já redigi muitas crônicas, para serem lidas num programa de rádio em Juazeiro, nos anos 80... poucas ficaram como texto viável, dada sua efemeridade. De todo modo, o desafio lançado foi falar cronicamente sobre a cidade... especialmente aos olhos do "flâneur", aquele que perambula... e vê, se tiver olhos para ver.

As cidades visíveis
                                                 Elisabet Gonçalves Moreira


Por que não gosto de caminhar pelas ruas de minha cidade? Nada é uniforme, então tenho dificuldades para andar, para me desviar de buracos, de cocô de cachorro... também me incomoda o cheiro de esgoto que vem das bocas de lobo... ou de xixi velho nas encostas de muros... da visão do lixo que se espalha, principalmente sacos plásticos vazios que se agarram como se vivos fossem.

Meu trajeto é curto. Nas imediações de casa, quase periferia, caminho porque também é preciso desenferrujar as juntas, olhar o mundo além do meu muro com cerca elétrica. Levar apenas o essencial, saber da certeza de voltar onde a vida se desenrola devagar e confortável.

Mas, de repente, vejo uma grande folha vermelha de castanhola que o vento de julho trouxe no meu caminho. Vermelha, uma cor que eu ou um mestre jamais conseguiria reproduzir... ah, olhos de artista, me diz minha companheira. Sim, meus olhos enxergam essas cores, o amarelo pálido das xananas nos vãos e interstícios das margens das ruas...

Olho por onde piso... quase um provérbio. Então vejo e também ouço... Barulhos artificiais de artifícios tão modernos como uma acelerada de moto, do escape de um carro, de gente apressada ou em exercício de levar o cachorrinho para passear, mais um fazer obrigatório do viver na cidade.

De cidade vem cidadão. Que relação haverá neste conceito? Ser da cidade, citadino, exclui o camponês, o ribeirinho, o favelado e outros nomes que moldam condições e classes sociais? Tantos significados, estereótipos, preconceitos e uma dinâmica que vai e vem, apesar dos guetos e dos condomínios fechados.

Impossível ver uma cidade sem pensar em suas contradições, no que está imóvel e belo no  cartão postal e o que se vê nas ruas, nas praças, num pulsar quase frenético... O flanelinha insistente com sua lata d´água abastecida no jardim público, o malabarista da esquina, pedintes em várias situações, aqueles que entregam pequenos panfletos de propaganda de óticas, de dentistas... por que não fazer um empréstimo consignado? Ou visitar Madame Devoica?

Tantos moldes, situações, embaraços, embrulhos, sacolas, gritos, buzinas, o horror se instalando no caos... que se ordena no final do dia, no apagar das luzes... Sim, podemos ver ou viver... vendo o vermelho de uma folha de castanhola ou ignorando o que se passa, inevitável como o desenrolar dos dias...


Petrolina, 14 de julho de 17