Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

domingo, 1 de maio de 2016

Um olhar estrangeiro sobre o Sertão

Amigos todos, escrevi o prefácio para o livro de Veronique Bulteau, "Para uma antropologia do Sertão - Ecologia e Sociologia do cotidiano" após ter feito a tradução.  No prefácio, procurei pontuar os aspectos mais significativos deste trabalho em Antropologia Social, feito na Sorbonne, Paris, com orientação de M. Michel Maffesoli. Tenho certeza que, após conhecerem este trabalho, nunca mais verão o Sertão e o Sertanejo da mesma forma. O livro também estará disponível em e-book, bancado pela UPE e em edição impressa, pessoal.
(Quem quiser o livro, entre em contato comigo).






À guisa de prefácio

UM OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE O SERTÃO


Geralmente é sob esta perspectiva que a tese de Veronique Bulteau sobre o sertão brasileiro desperta atenção e curiosidade. Francesa, estudou em Paris, na Sorbonne, e escreveu duas teses sobre o Sertão, uma equivalente ao nosso Mestrado e a outra ao Doutorado. Acrescente-se também o fato de ter sido o renomado sociólogo Michel Maffesoli seu orientador, na área de Antropologia Social, para esta monografia.

Mas é lendo seu trabalho de pesquisadora e estudiosa que mais surpresas acontecem no que tem de desvelador seu olhar sobre o sertão brasileiro e o sertanejo, aquilo que ela subintitula de “Ecologia e Sociologia do Cotidiano”. Sobretudo, para mim, que “traduzi” este trabalho, mesmo sem ser da área e muito menos uma tradutora profissional, sempre acreditei que o trabalho de Veronique Bulteau não poderia ficar desconhecido.

Há uma expressão francesa bastante comum: “joie de vivre”, literalmente “alegria de viver”, e ao caracterizar e demonstrar este comportamento social no sertanejo desta região, já somos tomados de um certo assombro. O sertanejo, sujeito às secas cíclicas de seu meio ambiente, é visto sob um prisma diferente. Como nesta afirmação: “Neste sentido, trata-se de um mistério, uma vez que a vida do sertanejo parece infernal para o outro – o não sertanejo. Sua arte de viver é algo que permanece apenas entre seu povo. Uma alegria de viver que recobre uma vitalidade, um sentido de festa e de hedonismo”.


Bem fundamentada teoricamente e tendo observado na prática o cotidiano sertanejo na longínqua Caititu, localidade do município de Petrolina, em Pernambuco, Veronique Bulteau justifica seu ponto de vista, indo de encontro a muitos estereótipos. Certo que muito da visão sombria sobre o Nordeste e seu sertão vem mudando, mas este trabalho foi escrito em 1992, portanto há mais de duas décadas. E, mesmo que neste século XXI, as condições sejam outras, na dinâmica histórica e social, seu trabalho ainda é inovador e sua divulgação é de singular importância.

Outro questionamento feito pela autora é fundamental e, pessoalmente, não entendo como até hoje – pelo que conheço – ninguém fez esta pergunta “Qual é o sentimento do sertanejo?” Ninguém se colocou no olhar do outro, do próprio sertanejo. “Em conversas ou contatos, ressalta-se que a vida é difícil, “a vida aqui é uma luta”, mas “boa”. O que a torna assim é o sentimento de pertencimento a uma comunidade, e a existência de laços de reciprocidade quase indestrutíveis.”

É por isso que a sociedade sertaneja não pode ser apreendida senão a partir do todo, de uma visão global, holística. Se existe o registro seca/chuva em seu meio ambiente, em seu cotidiano, a principal preocupação do sertanejo é a seca ou água ou, como ela mesmo diz que, “por uma aliança de contrários, dá no mesmo”. É nessa alternância da festa de viver e da dor de viver que Veronique Bulteau classifica o Sertão como “naturalmente” dionisíaco.

Escrevendo para um leitor francês, um trabalho acadêmico, no entanto sua leitura se torna atraente para nós mesmos, o leitor brasileiro que, de repente, se vê no meio de conjeturas e hipóteses para as quais não havia atinado ou não conhecia.

Outros aspectos extremamente interessantes, bem estudados e exemplificados, são citados com base numa bibliografia de fôlego no conjunto deste trabalho. Ressalte-se o destaque para a marcante presença indígena na civilização sertaneja, seu nomadismo inerente, além de traços histórico-sociais como o messianismo, o cangaço, a tradição oral, o corpo “como matéria que veicula a energia vital e que faz de cada um ator da vida cotidiana.

Se existe uma antropologia aplicada ao Sertão, Veronique Bulteau acrescenta sua contribuição para uma antropologia do Sertão nesse estudo, onde realça que “a elaboração de uma sociologia compreensiva da cultura sertaneja nos permitiu percorrer diversos caminhos que se interceptam em um cruzamento nodal, o de uma sociologia do imaginário.”

Então, é isso – e muito mais. Apresento o trabalho de minha amiga, uma amizade que começou há muitos anos e que se fortaleceu na troca de mensagens, de interesses comuns, de livros, de presentes e de presença... E não foi diferente nestes últimos meses de escritas, reescritas, correções... Agradeço a ela – que me agradece – e também a Odomaria Bandeira que, gentilmente leu minha tradução, me orientou e corrigiu alguns termos próprios da área de Antropologia em português.
Nenhum trabalho está completo em definitivo, até porque Veronique Bulteau tem outra tese sobre o Sertão... mas, neste aqui, sem dúvidas, o leitor terá indicadores fundamentais para uma compreensão mais completa desse espaço, o Sertão, e do ser que o habita, o sertanejo.

Elisabet Gonçalves Moreira *
Petrolina, março de 2016


* Elisabet Gonçalves Moreira é mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada. Mora em Petrolina desde 1976, onde se aposentou como professora pela UPE e pelo IF Sertão.

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