Bet com t mudo

Minha foto
BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Série Mexicana (I)


Em torno da pintura de Frida Khalo


                                                     Elisabet Gonçalves Moreira

Não é por causa de certo modismo no culto a Frida Khalo que me reporto nesse momento. Mais por uma experiência que tive, uma iluminação...

Estive na Cidade do México no final de outubro de 2016. Meu olhar se alargou, olhos de constatação da pujança cultural e histórica daquele país, encantamento que já me acompanhava muito antes disso. Daí a ideia desta série... aos poucos traduzo, revivo e amplio experiências e motivações.

A vida e a obra de Frida Khalo sempre me instigaram. O que na verdade podemos dela conhecer? Muito se tem revelado sobre esta mulher admirável, sua vida e seu sofrimento, mas a mim me chegou um entendimento de uma parte de sua pintura através de uma epifania, um momento quase mágico, desses poucos que temos na vida e que marcam o caminho de significados.

Na visita à cidade do México, entre tantos pontos turísticos, fiz questão de ir à Basílica de Guadalupe, um complexo grandioso, um lugar sagrado que me lembrou Aparecida do Norte em São Paulo e Juazeiro do Ceará. Excursões de romeiros, gente pagando promessa e o inevitável mercado da fé dos “recuerdos”, para lembranças e lembrancinhas, tantas velas, além das fotos, seja em selfies, seja na montagem de profissionais.

Fiquei visivelmente emocionada com os pagadores de promessa, gente de joelhos pelo pátio, até chegar à Basílica, onde fica, muito bem guardado, o manto com a pintura de Nossa Senhora, cuja tradição se iniciou em 1531.

Nossa Senhora de Guadalupe apareceu pela primeira vez ao índio asteca Juan Diego. Na língua asteca, o nome Guadalupe significa, pelo menos assim encontrei, Perfeitíssima Virgem que esmaga a deusa de pedra. Os Astecas adoravam a deusa Quetzalcoltl, que, segundo a visão do catolicismo tradicional, foi uma deusa monstruosa, a quem eram oferecidas vidas humanas em sacrifício. Sabemos que não é bem assim, mas a propaganda oficial e o imaginário dela decorrente acabaram por solidificar esta visão. E o que dizer do genocídio cometido em nome de Deus? Esse desrespeito às religiões dos povos conquistados pelos impérios modernos é terrivelmente destruidor.

Tanto assim que, esmagados os astecas, os índios restantes se converteram ao catolicismo imposto pelos conquistadores espanhóis. E o episódio do surgimento da virgem católica para o índio é extremamente significativo. E, hoje, Nossa Senhora de Guadalupe não é só a padroeira do México como também da América Latina.

 
Nossa Senhora de Guadalupe, foto do manto original, exposto na Basílica de Guadalupe, México. 


O simbolismo desta pintura (milagre ou não) é esclarecedor, sobretudo porque sincretiza elementos do paganismo asteca como do poderio de uma fé que ali se impunha na conquista. Isso também me faz lembrar uma palestra a que assisti, há muitos anos, do padre Quevedo, especialista em desmistificar fraudes místicas e religiosas quando defendeu a originalidade desta pintura no poncho do índio Juan Diego, pois, segundo a tradição, se mantém inexplicável e inalterada.

Mas a que vem esta introdução? Visitada a basílica, fui visitar o restante e, principalmente porque queria ver a antiga Igreja, estilo barroco, arquitetura monumental.

E lá se deu a iluminação. Não é o que você pode pensar... As paredes preenchidas com ex-votos. Nada parecido com as esculturas em madeira do Nordeste brasileiro, mas pequenos retábulos, pinturas representando milagres, promessas e agradecimentos a Nossa Senhora de Guadalupe. Arte popular, naif, seja lá que termo der, autêntica, de forte significado.

Meus olhos se arregalaram... E aí compreendi uma parte da pintura de Frida Khalo como experiência visual. E isso fez a diferença. Pouco a se falar, muito a se ver, a se comparar, até estudar mais.

Segundo pesquisa, a partir do fim do século XVIII e principalmente no século XIX, vários artistas mexicanos começaram a fazer pequenas pinturas em placas de zinco de 35 por 35 cm, embora as que vi, em sua maioria, eram retangulares, mais ou menos 30 por 20. Estas pinturas ou retábulos podem ser decodificadas em sua alegoria e origem sob vários aspectos. O fato é que elas se tornaram narrativas de agradecimento, consideradas arte popular, e hoje tomam todas as paredes internas da igreja, narrando não só expressões da fé como da própria vida cotidiana do povo mexicano.




E agora, a força inspiradora de alguns quadros de Frida (nascida em 1907 e falecida em 1954) em sua releitura de uma tradição que tanto lhe dizia respeito.


                                          Hospital Henry Ford (1932)


                                                Meu Nascimento (1932)


                                      O suicídio de Dorothy Hale (1938) 


E, no quadro abaixo, intencionalmente tomado de uma pintura votiva, há um acréscimo da confluência entre vida pessoal e arte. Evidentemente que, nos limites deste blog, não vou me especializar em mais análises, mas, agora, no conforto do meu escritório, pesquisando, encontrei material sobre o assunto, que ilumina ainda mais quem queira.
    
                                  

                         Retábulo (1940) (Óleo sobre metal 19,1 x 24,1 cm)


Sabemos que Frida sofreu um acidente terrível, num atropelamento de um bonde, que a marcou para o resto da vida. No retábulo acima, Frida nele se coloca, retomando uma pintura votiva de um acidente semelhante. Dá para se pôr no lugar dela, no instante em que seus olhos viram a pintura?

Sua marca, suas sobrancelhas unidas na menina acidentada, algumas etiquetas sobre o trem e o ônibus, ela escreve como subtítulo: “os esposos Guillermo Kahlo e Matilde Kahlo dão graças à Virgem das Dores por salvar sua filha Frida do acidente que ocorreu em 1925 na equina da rua Cuahutemozin e Calzada de Tlalpan."

Mais respeito e sintonia ainda tenho por Frida Khalo, tanto do ponto de vista pessoal, como de sua arte. Também Diogo Rivera, o esposo amado, bebeu nessa arte e na arte pré-colombiana. Pude ver isto na visita à casa azul onde moraram, hoje Museu Frida Khalo.

Este lado de sua pintura também nos ajuda a entender sua obra em conjunto, a melhor compreendê-la. E é isso que a torna tão especial. Acredito que, agora, estou mais preparada para apreciar e entender suas pinturas, sua vida, a herança de sua obra.

Mulher amante e amada, Frida soube mostrar uma pintura de mulher, a intimidade de uma arte que não é fácil de ser subjetivada, mas que dirige nosso olhar, inevitavelmente, para o significado da vida e da morte.

Petrolina, 3 de janeiro de 2017.

5 comentários:

  1. Bet, escrevo de um teclado sem acentos. Gostei muito da sua analise. Incrivel como eu estava la com voce e nao fiz esta associacao direta dos ex-votos com a pintura de Frida. Realmente a ligacao eh bem direta. Que maravilha poder ter tido tantas descobertas e reler/rever lugares com voce. Foi realmente muito especial, inesquecivel esta ida ao Mexico. O espirito de Frida Khahlo, a forca azteca, a modernidade caotica, mae e filha, tanta beleza e cor encapsuladas naqueles dias. Que privilegio! Quero ler os proximos posts da serie mexicana! Beijo grande.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida Juli, este presente seu (o post e a viagem ao México) foi uma das melhores coisas da minha vida. Parece que tudo estava preparado para isso... energias que antecipam iluminações. Obrigada. Beijos.

      Excluir
  2. Elisabet, belos textos e imagens, fortes e impactantes, tais como a autenticidade de Frida Khalo e sua arte e maneira de viver sua experiência existência neste mundo que busca controlar e disciplinar os corpos... Abraço! m.t.

    ResponderExcluir
  3. Querida Bet, que maravilhoso compartilhar seu olhar aguçado e sensível, as imagens, tanto quanto a própria Frida, percebendo e nos ensinado a aprender. Beijos. Adorei a série Frida!

    ResponderExcluir