Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

quinta-feira, 30 de março de 2017

O que há por detrás das máscaras do teatro?


A fixação do teatro numa linguagem (palavras escritas, música, luz, ruído) indica a aproximação de sua perda. O teatro, como a cultura, propõe o problema de denunciar e dirigir as sombras. Tem-se que acreditar num sentido da vida renovada pelo teatro.”
                                              Joseph Chaikin (Open Theater)


Justificando: Em março de 1998 escrevi este texto, a pedido de Sebastião Simão, ator, diretor teatral, poeta. Atuante nestas margens do rio São Francisco, hoje em Recife, Sebastião “formou” uma geração de atores, chamando-os para um teatro moderno, visceral, mesmo que pesquisando antigos textos. Reencontro-o neste março após 19 anos, num espetáculo solo, mas com seus bonecos, encenando Osman Lins. Conheço Odília Nunes em uma residência artística sobre memórias no SESC Petrolina. Encontros e lembranças...
E coloco este texto em cena... acredito que ainda seja útil, pelo menos rememorativo será.



Sebastião Simão no espetáculo “Mistério das Figuras de Barro” de Osman Lins, março 2017 - cartaz de divulgação

MÁSCARAS de MENOTTI DEL PICCHIA

Elisabet Gonçalves Moreira - Petrolina, 19.3.98

         O que terá levado Sebastião Simão a encenar Máscaras de Menotti del Picchia?
       Não sei nem lhe perguntei sobre isso, mas tenho algumas hipóteses, pois há muitas relações e inferências a serem feitas. Primeiro, sua companhia teatral chama-se Cia. Máscaras do Teatro. O símbolo consagrado do teatro são as máscaras (persona do teatro grego, daí a palavra personalidade), da oposição do trágico e do cômico, riso e pranto, dualidade intrínseca à nossa condição humana. Máscaras - como metáfora -  é também a representação do ator, concretizada como objeto não só no teatro grego ou japonês, mas na commedia dell’ arte italiana, cujo auge aconteceu nos séculos XVI, XVII e XVIII. Até nós chegaram, bem caracterizadas, as máscaras convencionais,  ligadas ao carnaval,  do Arlequim, do Pierrô e da Colombina, personagens da peça de Menotti Del Picchia.
         É significativo, portanto, que esta tenha sido a primeira das cinco peças escolhidas pelo encenador, dentro do projeto PRA VER TEATRO! E que o jornal tenha também o nome MÁSCARAS. Tirá-las ou colocá-las, vai ser um processo que se desencadeia interativo. Como postura de aproximação e distanciamento. Tanto da parte do espetáculo como de nós, espectadores. Em expectativa...
        
Quem é Menotti del Picchia

         Nome italiano, mas brasileiro, sim.  Nascido numa pequena cidade do interior de São Paulo, em 1892, Menotti del Picchia faleceu já bem idoso. Mais que sua obra literária, é conhecido como um divulgador das correntes modernistas e participante da Semana de Arte Moderna de 1922. Suas obras mais conhecidas são o poema Juca Mulato, de 1917 e o romance Salomé. Segundo o crítico Alfredo Bosi, Menotti del Picchia “construiu obra singular no contexto modernista, no sentido de uma descida de tom (um maldoso diria: de nível) que lhe permitiu aproximar-se do leitor médio e roçar pela cultura de massa que hoje ocupa mais de um ideólogo perplexo.” Reconhecendo-o, no entanto, como escritor brilhante, procura justificar o caminho seguido, na medida em que suas obras “responderam às expectativas de um público de fato divorciado do Modernismo de 22, enquanto este não soube, ou não pôde, refletir as tendências e os gostos de uma classe média em crescimento, incapaz de maior refinamento artístico.” Realmente, Bosi é duro com Menotti. Mas é sabido que as obras de um Oswald de Andrade e de outros modernistas notáveis, é de difícil entendimento e aceitação para muitos letrados que se pretendem “esclarecidos, mesmo nos dias de hoje.”  (Fonte: História Concisa da Literatura Brasileira de Alfredo Bosi, S. Paulo, Cultrix, 1972, 2a. ed., páginas 413-415).

Sobre a peça

          Máscaras, conforme confissão do autor na introdução do livro publicado pela Ediouro, foi fruto de um desafio entre amigos no ano de 1920. Conta também que no lançamento festivo dessa peça, em 1921, Oswald de Andrade teria “deflagrado” o desafio de uma nova ordem literária que resultaria na Semana de 22. Mas o próprio Menotti reconhece também que Máscaras é, em certa medida, um anacronismo, classificando-a de “bluette” romântica...
         “Bluette” - do francês - significa “pequena obra literária pretensiosa”. E romântica, todo mundo sabe o que é: sentimentalismo, emoção, geralmente exacerbada.
         Máscaras é uma peça em 3 atos, com 3 personagens, bem definidos. A saber, pela sequência: O beijo de Arlequim, em que a fala “titular” é desse personagem, em diálogo com Pierrô, cuja referência é uma mulher, idealizada não só por sua beleza, mas sobretudo pela sensualidade despertada através de um beijo do Arlequim, máscara do cinismo e da lascívia. O sonho de Pierrô, com a continuação do diálogo, do ponto de vista agora de Pierrô, é a máscara romântica do amor idealizado. Finalmente o terceiro ato, O amor de Colombina, em que finalmente a personagem mulher em referência aparece, vendo-se dividida entre os dois, entre a simbologia de suas máscaras, sonho e realidade. Já viu este filme, digo esta história, talvez numa marchinha antiga de Carnaval?
         Talvez os não muito jovens lembrem-se desta alegoria. O ponto de vista do homem está expresso nesta incógnita eterna para ele, conquistador em desafio:  quem é a mulher afinal? Aliás, o autor deixa claro, antes de iniciar as cenas, citando os personagens: Arlequim: um desejo; Pierrô: um sonho; Colombina: a mulher. As abstrações estão caracterizadas no tipo tradicional destes personagens homens. Para a Colombina, a dureza - assim o senti - do substantivo concreto: a mulher. São personagens planos, fáceis de identificação. Tipos de uma tradição popular, daí a relação com a commedia dell’arte, que utilizava personagens típicos, cada qual com um nome tradicional e um traje distinto.
         A relação, como texto, só dá para se fazer até aí, pois na commedia os diálogos eram improvisados. Há outras características como canções, acrobacias, trejeitos. No texto temos explicitamente uma canção em redondilha maior, cantada por Colombina, além de execução musical por Arlequim.
         A respeito disso, o texto é todo em versos. E metrificados. Doze sílabas poéticas, alexandrinos portanto, dentro da mais pura tradição formal parnasiana, tão em gosto na época. O vocabulário também é precioso e erudito. E a mensagem não poderia ser mais definida: a mulher dividida igualmente entre o amor sensual e o amor platônico, romântico.
         Máscaras, como título e como alegoria. Uma representação em que o autor relaciona explicitamente, antes do texto cênico, com a vida, “em qualquer terra”, “em qualquer tempo”, onde os homens amem e sonhem.

Sobre a encenação

         Associando - critica ou didaticamente - o que foi dito, façamos nós, se não uma análise, a tentativa de se envolver em propósitos.
         Intuição de que - a priori -  Sebastião Simão não fará uma encenação tradicional de uma peça tão tradicional ela mesma. O processo de desmitificação (distanciamento brechtiniano) pode se dar por esta opção, por escolher teatralmente linguagens em interação que mostrem criticamente a realidade da vida e a realidade do teatro. Em representações. E que, como num jogo, interajam. E divirtam também, como espetáculo lúdico que, no final de contas, o teatro é.

 Aliás, a possibilidade de rir de nós mesmos, desmascara muito de nossa condição humana.




Odília Nunes e sua personagem Cordelina (foto de Renata Pires)

Só para lembrar: Odília foi a Colombina naquela apresentação de 1998...

        




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