Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

domingo, 7 de janeiro de 2018

Maquiavel e o diabo no corpo


“Posto que a vida é breve
e muitas são as penas
que vivendo e lidando se padecem,
seguindo nossas ânsias
vamos passando e consumindo os anos,
pois do prazer privar-se,
p’ra viver em afãs e aflições,
é ignorar os enganos
do mundo ou por quais males e estranhos casos

sejam tiranizados todos os mortais.”

                                       Nicolau Maquiavel (A Mandrágora, início)


Minha vida de aposentada é feita de muitos projetos, desafios, propostas e... procrastinação!

Procrastinação é o diferimento ou adiamento de uma ação. Para a pessoa que está a procrastinar, isso resulta em stress, sensação de culpa, perda de produtividade e vergonha em relação aos outros, por não cumprir com as suas responsabilidades e compromissos. 

Embora a procrastinação seja considerada normal, torna-se um problema quando impede o funcionamento normal das ações.
Isso me informa a Wikipédia e muito mais e... paro por aí. Não, não fico impedida de fazer e fazer... ou tentar!!!! Como num divã de psicanalista, me fez bem pensar que essa síndrome seja considerada "normal"... Porque sou múltipla, sempre a me meter em muitas coisas ao mesmo tempo, naipes variados, habilidades manuais e intelectuais. E aí entra o senso crítico, esse sim desgastante e que leva à procrastinação...

Explicando: embora tenha uma espécie de planejamento anual para minhas atividades, procrastinar ações faz parte de mim, porque, culpa e motivo, lá vem um insight fora de qualquer controle. Leituras e fatos tecem links que me afastam de propósitos e trabalhos iniciados.

Mas eis que de repente vem um insight, uma epifania. E mais um verbete introdutório.

Epifania, do grego "epiphanéia", podendo ser traduzido literalmente como “manifestação” ou “aparição”, é uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo. Também pode ser um termo usado para a realização de um sonho com difícil realização. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem. (...) Do ponto de vista filosófico, a epifania significa uma sensação profunda de realização, no sentido de compreender a essência das coisas, tendo significado similar ao termo insight.

Epifania na Literatura Na literatura, a epifania pode ser considerada a forma de se mostrar um conceito. Também é entendido, para o autor, como a maneira de expor claramente suas ideias ao interlocutor, ou seja, tornar suas ideias legíveis.[1]

Significados que me concernem...
...................................................................................................

Assim que, no propósito de ler contos da coleção Maravilhas do Conto Universal, na antologia de Literatura Italiana, me encontro com o diabo, ou melhor, o conto de Maquiavel.

O arquidiabo Belfegor (SP: Cultrix, 1958)

O que sei sobre Maquiavel revela-se admiravelmente na ficção. Na estante, também retomo a comédia A Mandrágora (SP: Abril Cultural, 1976) e tudo se confirma.

Pode não ser novidade, mas é esclarecedor. Sem pretensão de um estudo de cunho acadêmico, resolvo sintetizar e compartilhar ideias e relações: não dá para adiar esse instante.

Maquiavel (Niccolò Machiavelli, 1469/1527, Florença, Itália). Machiavelli, sobrenome que virou também adjetivo: maquiavélico.

De link em link, vou peneirando considerações.

Significado de Maquiavélico
Adjetivo: Pérfido; sem escrúpulos (...) Que se refere a maquiavelismo; que nega as leis morais. De acordo com a doutrina de Maquiavel, considerada como a negação de toda moral: política maquiavélica.
Maquiavelismo é a denominação que se dá à doutrina política emanada do livro O Príncipe, escrito por Nicolau Maquiavel em 1513.

O pensamento de Nicolau Maquiavel está focado, sobretudo, na reflexão política como luta pelo poder a qualquer preço. É por isso que o conceito maquiavélico também pode ser aplicado quando uma pessoa realiza uma ação pouco ética através de um critério onde o fim justifica os meios. Embora ele nunca tenha afirmado isso diretamente, é costume atribuir-lhe esta frase, nestes lances curiosos de interpretação ou de cultura de efeito.

A vivência de Maquiavel, nas cortes italianas e embaixadas, exercendo cargos políticos ou caindo em desgraça, mostrou-lhe as nuances do poder e da política em seus jogos de ambição. Daí seu “príncipe”, como governante, se caracterizar em um princípio, uma atividade humana.

Indico pois a leitura do conto, onde podem confirmar relações ou despertar interpretações outras. O arquidiabo Belfegor pode ser lido diretamente neste link:

http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/um-conto-de-maquiavel-sobre-o-casamento

Este conto também foi publicado no livro “Os Cem Melhores Contos de Humor da Lite­ratura Universal”, organização de Flá­vio Moreira da Costa, Editora Ediouro. Tradução de Paulo Rónai e Au­rélio Buarque de Holanda, além de outras edições, da Claret e da Escala.

Ou ler diretamente em italiano:

http://digilander.libero.it/opere_di_machiavelli/machiavelli_belfagor_arcidiavolo.html

Observem que no link do jornal já vem um direcionamento de leitura “um conto de Maquiavel sobre o casamento.” Isso limita muito a interpretação. Há várias ações no texto, como episódios de um contexto. O casamento é apenas uma referência para a ação de Belfegor sair do Inferno, vir para a terra, casar-se e demonstrar o que estava incomodando os diabos: todos os homens reclamavam que a culpa era da mulher.

Belfegor (ou Belfagor) não é um diabo qualquer: é um arquidiabo, um dos príncipes do Inferno “que já havia sido anjo, antes de ser precipitado do céu”, nos esclarece o autor.[2] A questão do bem e do mal e algumas de suas nuances é trabalhada irônica e alegoricamente.

Curiosidade: este conto também foi citado por Edgard Allan Poe, em “A queda da casa de Usher”, como leitura dos personagens. O indicativo de um diabo entra na atmosfera lúgubre do texto, com um final extremamente trágico, diferente do conto de Maquiavel, o oposto neste sentido.

Encontrei esta ilustração, cuja caricatura do diabo “quebra” o imaginário de um ser escabroso, realmente satânico... Cômica, a narrativa entra na linha dos que conseguem, espertamente, ludibriar o diabo. A astúcia, a inteligência ou a cupidez demonstram que isso é possível.


Ora, como não associar também com o conceito de carnavalização de Mikhail Bakhtin, onde o “mundo às avessas” é uma desconstrução do preestabelecido, nesse caso uma gozação do poder dos infernos. Os resquícios da Igreja medieval são questionados no Renascimento com uma audácia... “maquiavélica”.

Este conto também já foi adaptado para o teatro, pela sequência de ações. Além de outros aspectos contemporâneos, ressalta-se o machismo como matiz ideológico, pois só a mulher tem “o diabo no corpo”. Pobre Belfegor, o casamento foi sua ruína. E a esposa tinha o nome de Honesta...

No conto, não há personagem que se salve; todos são venais, embora o sejam quando provocados. A tentação aparece como pano de fundo que possa justificar a corrupção generalizada.

O final do conto é impagável, hilário, uma piada de salão. Melhor não contar...

“E eis aqui como Belfegor, de volta ao inferno, pôde dar testemunho dos males que uma mulher leva consigo a um lar, e como João Mateo, que foi mais astuto do que o diabo, pôde retornar à sua casa cheio de alegria.”

....ooo0ooo....

Retomando os inícios, penso ter justificado o encadeamento dos verbetes e das referências. Parodiando Maquiavel, constatar o inevitável: “somos todos mortais”.


Elisabet Gonçalves Moreira
Petrolina, 7 de janeiro de 2018.


[1] Santo Deus: escrevo isso no dia de Reis, 6 de janeiro, em que se comemora a Epifania do Senhor, ou seja, o nascimento de Jesus, pela visita dos reis magos... Não, não vou procrastinar...


[2] Belphegor ou Belfegor ("o senhor do fogo"), divindade moabita venerada no monte Fegor. O sabá dos feiticeiros da Idade Média não foram senão uma repetição, herança das festas de Belfegor. Belphegor é um dos sete príncipes que governam o Inferno, sendo a personificação do primeiro pecado, a preguiça.

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