Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Reis e bruxa em visita ao menino Deus


"Adoração dos magos” do pintor Perugino  (1450-1523)

6 de janeiro: no Brasil temos o dia de Reis, o Reisado de tantas tradições populares, ainda presente nos rincões de nosso país, ou na Ilha do Massangano de Petrolina, com especial significado.

“Oh de casa, nobre gente, escutai o que eu direis, na partida do Oriente, a chegada dos três reis...”

 “O Reisado mede os janeiros”, afirma Dona Amélia, já que a comemoração se estende na visita às casas da ilha, no samba de roda e toda sua inesquecível e brincante alegoria.

Final do ciclo dos festejos natalinos, a visita dos três reis magos trazendo presentes ao menino Jesus, que nascera exilado, é comemorada em múltiplas variações, da magia à fé em energias e bênçãos. De acordo com o calendário litúrgico da Igreja Católica, a epifania está diretamente relacionada a uma manifestação divina.

Folia de Reis (alegoria em arte bordada do Brasil)


Etimologicamente, este termo se originou a partir do grego epiphanéia, podendo ser traduzido literalmente como “manifestação” ou “aparição”.

A palavra “mago” era empregada para “sábio”, especialmente aos sacerdotes da Caldeia que foram os primeiros a estudar a astronomia no mundo. Como não perceber esta relação ou ocultar o aspecto mágico do nascimento de Jesus, da estrela guia?

Na Itália, onde me encontro neste janeiro, toca-me a comemoração deste feriado em grande estilo. No Brasil dizemos que o ano só começa após o carnaval; aqui há um equivalente:  L’Epifania tutte le feste porta via (A Epifania leva embora todas as festas).

Assim, a epifania é também a festa da Befana, uma bruxa boa, que visita as casas onde têm crianças, com sua vassoura mágica, para colocar doces nas meias dos bons meninos e carvão nas meias dos maus... Haja comportamento!!! E cada vez mais esta festa, alicerçada pela mídia, vai sendo substituída pelos presentes natalinos. 


Percebe-se que o nome Befana é também ele uma corruptela de Epifania, agora uma mágica aparição, uma mulher, uma bruxa, e não mais um rei do Oriente.

Como quase todas as festas populares de origem religiosa, as origens da lenda da Epifania são pagãs. Nos tempos antigos, os romanos acreditavam que no prazo de 12 dias após o solstício de inverno seria celebrado a morte e renascimento da Mãe Natureza. Assim, doze figuras femininas lideradas por Diana, a deusa da lua e da vegetação, voariam sobre os campos para torná-los férteis.

Obviamente, a Igreja condenou essas crenças como influências diabólicas e do mal. E através de misturas das religiões ao longo dos séculos na Idade Média, chegou-se à Befana de hoje, uma velhinha mais próxima à imagem de uma bruxa boa. Este aspecto da idosa pode também sugerir uma representação do “ano passado” e das boas novas anunciadas pelo nascimento de uma criança.

Pesquisando, achei também outras versões da lenda da Befana: argumenta-se que nasceu de um festival romano ligado à troca de presentes. Outros acreditam que está relacionado com as deusas mitológicas germânicas da natureza invernal.

Na versão “católica”, a lenda nasce com a história dos Reis Magos que durante a sua viagem a Belém para conhecer o menino Jesus e doar os presentes, eles se perdem na estrada e encontram uma senhora idosa que os ajuda, porém não quer acompanhá-los. Depois, essa senhora sentiu remorsos e decide também levar um presente a Jesus. Não encontrando os Magos e nem a manjedoura, decidiu parar em todas as casas para dar doces a todas as crianças. 

Aqui em Roma, dando uma volta na Piazza Navona, no formigueiro humano em que se transformou o turismo de massa (ainda mais que no inverno, todo mundo está coberto da cabeça aos pés, predominando o tom escuro), observei um parquinho de diversões limitado a alguns estandes de tiro ao alvo, pescarias, com muitas bruxas bonecas, maçãs do amor, doces vários e um belíssimo carrossel. O show de marionetes seria mais tarde e achei melhor ir embora...


Comprei esta simpática Befana como lembrança deste dia. Também no mercadinho, perto de casa, havia vários expositores com “meias” recheadas de doces de diferentes marcas para se comprar e substituir a befana em seus presentes. Doce ou carvão...


Mas o melhor ficou para a noite. Meu simpático genro alugou um carro e, após um grande congestionamento nesta Roma capital, fomos ver um concerto de canções populares italianas e gregas no Auditorium Santa Cecília. “Come in cielo così in strada” Assim no céu como na terra...

Cantos de Natal na tradição popular de várias regiões italianas, também da Grécia, onde o sentido da epifania foi ressaltado, da magia iluminada da visita ao menino Jesus. Sanfonas insólitas, dança grega, muitos cantos... Solistas e coral... O que mais me encantou foi o Pater Noster em bizantino.

Enfim, aprendi uma grande lição... o respeito à epifania cristã, uma fé ultimamente bastante abalada. Como este momento ainda pode gerar belas manifestações e tocar nossos sentimentos.
Há muitas outras maneiras de se celebrar o 6 de janeiro, seja no sentido religioso ou profano, ou nesta mescla admirável da cultura que nos mostra a nossa humanidade em evolução e aprendizado.

Perceber sobretudo como tradições se cruzam em espaços e momentos, através dos tempos, oceanos e ares... uma dinâmica em constante movimento e significados.
“Assim na terra, como no céu.”

(Uma pequena amostra do concerto)


Roma, Itália, 7 de janeiro de 2020



19 comentários:

  1. Tradições mil. Em todos cantos do mundo. Mais que a comemoração ou epifania em si a cultura é um berço de sabedoria e resistência.

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  2. Lendo seus textos viajo e aprendo sempre. Maravilhoso!

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  3. Amei saber sobre a Befanda...E agradeço por você generosamente compartilhar conosco suas experiencias e descobertas

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  4. Linda forma de mostrar a cultura de um povo e renomar a historia e estórias da humanidade .perfeito texto. parabens por ter esta oportunidade de curtir a vinda da neta com passeios e visitas ao folclore local.te amo amiga va sempre em frente isto te impulsiona a viver melhor

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  5. Essa mescla de culturas é muito rica em lições e aprendizados...Viajando nas pupilas do seu olhar atento.

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  6. Doces ou carvão. Lendas, histórias. Palmilhar estas ruas pela luz dos olhos teus é caminhar tranquilo. É viajar longe, sonhar perto e aprender novas trilhas, um tanto ao céu, um bocadinho à terra.

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  7. Palavras de um poeta em incentivo... só a agradecer.

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  8. Bet, seu texto é mágico, profundo e inebriante. Uma verdadeira experiência do exercício do "olhar arqueológico" ou "detetivesco" - como diria Proust. Penso que o grande sentido do perscrutar o inconsciente coletivo dos arquétipos que permeiam e aproximam culturas tão distintas (de uma comunidade afro-brasileira em uma ilha no meio do rio São Francisco ao cosmopolitismo europeu de Roma) é o de nos tornarmos pessoas mais sensíveis, humanas, tolerantes, acolhedoras (livres de preconceitos, xenofobias ou bairrismos).

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    1. Nossa, fui até reler o texto... obrigada. Que bom q tenha este alcance. Agradecida sempre

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  9. Cara Elizabet,
    Li seu artigo com atenção e logo lembrei-me de um outro por mim traduzido em 2006, do poeta equatoriano Edgar Allan García, que tive o prazer de conhecer durante o “Primer Festival Internacional de Poesía de El Salvador”, o qual leva o título “Alguns segredos natalinos”. O seu, reúne observações muito próprias sobre o Advento, a epifania, o Pater Noster bizantino, a Befana, as canções natalinas, o propósito pedagógico dos presentes, os reis Magos, enfim, matéria residual muito rica que faz uníssono com o estudo do Allan García, riquíssimo em informações residuais a respeito da controversa data do nascimento de Cristo, da virgindade da Mãe Santíssima, da tradição dos presentes, da árvore de Natal, Papai-Noel etc. Em suma, o texto do García e o seu partem de uma só preocupação: entender residualmente fatos culturais que continuamos a vivenciar neste terceiro milênio da cristandade. Sou muito grato por haver-me enviado seu texto e peço-lhe desculpa por haver feito sua leitura somente hoje. Envio-lhe dois poemas meus: um de Ano-Novo, o segundo sobre a noite de Reis, com um abraço amigo. Roberto Pontes

    POEMA DE ANO-NOVO

    Feliz Ano-Novo, amigo.
    Que em ti tenha sede a força,
    E para sempre a alegria.
    Que o lado esquerdo do peito
    Seja a bandeira dos meses:
    – Assim estarei contigo!

    Feliz Ano-Novo, amigo.
    Que tua casa sempre seja
    O mais doce dos apriscos,
    Onde vais apascentar
    O teu anseio de vida,
    Tua fome de Justiça.

    Amigo, louvado sejas,
    Feliz Ano-Novo, amigo!

    POEMA DA NOITE DE REIS

    Neste terceiro milênio,
    Se três reis magos eu fosse,
    Daria os meus presentes
    À humanidade que sofre,
    Obedecendo à Estrela-
    Guia minha e Oriente.

    Gaspar – ouro oferecia.
    A converter em moeda
    Pra saciar sede e fome
    Dos sofridos penitentes.

    Belchior – incenso dava.
    A transformar em aroma
    E consagrar o trabalho
    Dos humildes mais carentes.

    Baltasar – mirra traria
    Medicinal, olorosa,
    Pra curar a exploração
    Do homem lobo do homem
    Que, a ambos traz doentes.

    Assim, com majestade e magia,
    Cumpririam novo fado,
    Instaurariam Justiça
    Na vida, com poesia.

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  10. Parabéns Bet! Texto muito bonito!
    Abs
    João Monteiro

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  11. Nova releitura e aprendizado. Conhecer a dinâmica das tradições, seus movimentos e significados e evoluir em nossa humanidade...

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