Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

domingo, 27 de dezembro de 2020

RELEITURA DE CRANACH

 

Retrato da Princesa Elisabeth da Saxônia  de Lucas Cranach, o Jovem (1564)

Medidas: 38,8 cm por 28,5 cm. O rosto e a trança do cabelo pintada em óleo; desenho em marrom. O  papel foi preparado com base de óleo rosa claro. Acervo do Kupferstichkabinett em Berlim, Alemanha



Releitura de Cranach, de Elisabet G. Moreira, óleo sobre madeira, 80 x 70 cm, 2014.


“Um olho vê, o outro sente”, frase exemplar de Paul Klee. Olhe novamente para a reprodução do esboço para o retrato da princesa Elisabeth da Saxônia, feito por Cranach, o Jovem, em 1564. Sobretudo aquele olhar, a claridade, a perfeição, me seduziram. Fiz primeiramente um desenho a partir da observação desse esboço assim que o vi, na capa de um livro de arte.

Isso foi em 2009, na cidade de Laredo, TX, nos Estados Unidos, fronteira com o México, onde tive algumas aulas de desenho  com o artista Juan António Barajas, na galeria de arte 201. Visitava uma de minhas filhas e, como sempre gostei de desenhar e pintar,  quis mais uma experiência. A galeria era muito especial, motivadora, num prédio antigo, estilo vivenda espanhola, de grossas paredes, tijolos à mostra. Sempre havia quadros muito bons. Juan Barajas, pintor e professor, é um excelente artista, figurativo. Suas obras são quase todas vendidas no site da Artelista. Meu  desenho (sanguínea sobre papel) foi selecionado para uma exposição no final do curso.

Trouxe para o Brasil o desenho que fizera. Em Petrolina conheci uma artista que me convidou para fazer uma exposição em conjunto, trabalhando na madeira, com pintura e colagem. A colagem já estava nos meus planos; gosto bastante desta possibilidade mais contemporânea de expressão artística. Adquirimos os chassis em madeira e “aproveitei” o desenho que havia feito.  A intenção era fazer uma colagem de renda em torno da figura, usando tinta acrílica para a pintura, mas o projeto não foi avante, por várias razões. O “quadro” ficou encostado durante três anos.  Um bloqueio criativo, se assim pode ser chamado, me impediu de continuar e, inclusive, de fazer outros trabalhos em pintura.

Em 2013, novamente motivada, recomecei a ter aulas de desenho e pintura, agora com Jorge Sairaf, pintor juazeirense, na Tenda Artes, em Petrolina. Jorge estudou em Salvador, morou em Portugal por 20 anos, sempre trabalhando com pintura, vendendo seus quadros e dando aulas. Infelizmente veio a falecer em 2020. Seu estilo clássico, combinando muitas vezes releituras, numa motivação surreal, realmente foi apropriado para a continuidade do meu trabalho. 

Jorge Sairaf renegou a colagem, que eu ainda insistia. Pintura a óleo, para treinamento e aprendizagem. E que aprendizagem! A madeira não havia sido suficientemente tratada como base e sofremos bastante. Enfim, fazia parte! Camadas e camadas de tinta, de ideias, de mudanças para detalhes foram se acumulando durante meses. O arabesco saiu por insistência minha, como “moldura” para o retrato. Deveria haver outro, mas desistimos. E o vestido? E os enfeites?

Cranach foi um detalhista. O esboço para o retrato de Elisabeth da Saxônia era uma técnica para a pintura mais tarde. Desconhece-se, no entanto, se realmente ele chegou a finalizar o retrato da princesa após este esboço.

Pesquisei bastante e, neste viés pedagógico de história da arte também coloco alguns de seus retratos de mulheres da aristocracia da época. A profusão de detalhes em jóias e adereços nos retratos de Lucas Cranach tem, evidentemente, o papel de definir a posição social do retratado e o mundo em que viviam. Aliás, observando bem as mulheres ali retratadas, percebemos que são bastante parecidas umas com a outras, na mesma posição. Daí, o pintor dar a também a conotação de um fashionista, realçando o figurino e a ostentação da aristocracia. 

Pintado o rosto na madeira, sobre o meu desenho, fomos definindo os detalhes. Decidi passar uma camada de tinta cobre metálica em todo o fundo, isso mais de uma vez. Jorge não gostou, mas depois aceitou e introduzimos detalhes dourados. 

Eu também quis esta faixa escrita que aparece na parte inferior da pintura para introduzir possíveis explicações sobre o tema escolhido, assim como fazia Fridra Kahlo. E o fio de linha que sai da gola tem o significado de “tecer” outra leitura, uma obra inacabada como foi a de Cranach. 

E como podemos ler neste inacabamento! Além da própria arte renascentista, uma narrativa, histórica em seus fatos e datas, diversas possibilidades em outras linguagens, em desafios constantes.

Assim, continuei minhas pesquisas. A moça do retrato era a princesa Elisabeth (coincidência, mesmo nome meu!) da Saxônia (1552-1590) nascida no castelo de Wolkenstein numa Alemanha agrária e feudal, de linhagem nobre e atuante. Seu pai era príncipe Eleitor da Saxônia, Augusto,  e sua mãe era filha do rei da Dinamarca. Elisabeth se casou em 1570, com 18 anos,  e teve 6 filhos.  Seu pai se opunha à política do genro, Johann Casimir, um calvinista e amigo da França, mesmo que este, mais tarde,  tenha se convertido como luterano. Entretanto, os católicos na Alemanha viram neste casamento uma provocação contra a dinastia Habsburg e uma tentativa de formar uma frente protestante. O marido de Elisabeth tentou quebrar a oposição religiosa à sua esposa luterana, mas o que se sabe é que, em outubro de 1585, ela foi presa e acusada de adultério e de tentativa de assassinato contra seu marido.  Até mesmo seu irmão estava convencido de sua culpa. Ainda no cativeiro ela se converteu ao calvinismo, mas morreu antes de completar 38 anos. Como se vê, minha princesa é um exemplo típico do jogo do poder, monarquias, dinastias, facções religiosas.

 

Lucas Cranach, o Jovem (1515-1586), era filho do pintor alemão Lucas Cranach, conhecido como o Velho. Iniciou sua carreira como aprendiz no ateliê de seu pai. Com a morte do pai, Lucas Cranach assumiu a oficina de trabalho, continuando de tal modo a tradição paterna  que as obras de ambos os artistas se confundem com frequência, embora não lhe apontem os caracteres germânicos que fazem o estilo e a força das obras do velho Cranach (1472-1553).

Ambos foram pintores da corte dos Eleitores da Saxônia durante a maior parte de sua carreira, abraçando a causa protestante, tornando-se amigos de Martinho Lutero.  Protegidos da aristocracia, ocuparam postos na administração do conselho municipal de Wittenberg. Sem dúvidas, a proteção dos príncipes da Saxônia lhes assegurou prosperidade e poder.

Portanto, este trabalho, além de minha pintura, conta uma travessia e uma aprendizagem. Não só de técnicas de pintura, mas de como nossos olhares do século XXI ainda se servem da tradição para nela fazer uma releitura. Ainda que meu trabalho venha a carecer de qualidade artística ou de uma releitura diferente para estes tempos fragmentados da pós-modernidade, fica o prazer também lúdico de nela entendermos a história e a cultura, um caminho de muitas interações.


Amostra de retratos feitos por Cranach, destacando-se os adereços, o figurino. Seria a moda do século XVI ou uma criação do artista?




                          

9 comentários:

  1. Muito interessante, Bet.
    Você, artista em vários ramos.
    Um abração e TUDO de muuuito melhor no próximo Ano!
    Abração virtual!
    Liliana
    Liliana

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    1. Obrigada Liliana, sempre atenciosa recifense...
      Abração de volta

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  2. Uma viagem por hemisférios e vidas...a arte permanece e enaltece!

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    1. Querida Juli, então é isso, irmanadas estamos nesta viagem pelo mundo, pela vida. Obrigada

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  3. Bete, como é interessante a sua trajetória como pintora, quanto conhecimento você ganha e repassa através da sua arte. Fico grata por fazer parte do seu circulo. Abraço fraterno.

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  4. Desconhecida amiga (grata) nesta postagem... vc disse aquilo que, subliminarmente, eu tenho como objetivo. Obrigada, valeu o incentivo.

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    1. E consegue. Venho ao blog semmpre, na busca por este enriquecimento. Obrigada, dona Bet...feliz 2021!

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  5. Entre pincéis e mundos o olhar viaja...retrato e texto emoldurados!

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    1. Vagamos... escritas nos fortalecem, talvez memórias de nossa passagem. Obrigada

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