Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

RE-VISITANDO A OFICINA DO ARTESÃO DE PETROLINA

 

A Oficina do Artesão Mestre Quincas em Petrolina, neste janeiro de 23, me surpreendeu positivamente.  Fiquei sabendo que a Oficina passou por uma reforma, em 2022, feita pela Prefeitura de Petrolina. Realmente, pude constatar mais espaço, seja para os artistas e artesãos, seja para os visitantes. Dentre as obras realizadas, foram requalificados cinco ateliês temáticos, madeira, pedra, barro, esculturas e tecidos, com grande variedade de produtos. Já se ressaltou que não há lugar em Pernambuco que concentre tantos artesãos em atividade e tantos estilos diferentes.

Além do espaço para exposição e vendas, é muito interessante observar artesãos trabalhando, principalmente com a madeira, esculpindo quase sempre carrancas, um ícone simbólico da região, e o produto mais vendável.  Notei que até o espaço no “quintal” da oficina estava organizado, visto que serve de entrada da madeira bruta para o trabalho dos artesãos escultores.

A Oficina tem o nome de Mestre Quincas. Somente pesquisando, no portal que se abre via web, fico sabendo que Mestre Quincas foi o apelido de Joaquim Correia Lima, considerado o primeiro artesão de Petrolina. Nasceu em 1895 na cidade vizinha de Juazeiro da Bahia e morreu aos quarenta anos afogado no Rio São Francisco. Frequentou a Escola de Belas Artes de Salvador e destacou-se em Petrolina quando foi chefe de pintura da Leste Brasileira e executou trabalhos importantes na Estação Ferroviária de Petrolina e em outros locais da cidade.

Teria algum registro de seus trabalhos? Nada encontrei, mas seria promissor para a história da cidade e da própria oficina pesquisar. De todo modo fico a imaginar de quem partiu a ideia para homenagear este Mestre que, numa oficina de artesãos dominantemente de gente que “aprendeu fazendo”, autodidatas, ele frequentou Escola de Belas Artes, tinha um emprego oficial e foi “chefe de pintura”. Portanto, uma pessoa com formação escolar e artística diferenciada.

Faço essa observação, porque conheço somente dois artesãos (inclusive a única mulher) que frequentam a Oficina e dela fazem parte que cursaram, ou cursam, Artes Visuais na Univasf – Universidade Federal do Vale do São Francisco – curso relativamente novo na região. E também faço alguns questionamentos.

Qual a diferença entre o artesão e o artista? Quando alguém é considerado Mestre? Há um significado especial nesta palavra. O Mestre não é apenas um professor, mas, na hierarquia do saber conseguido, um grau elevado em seu mister. Mister de mistério, de segredos do ofício... Categorias que remontam à época medieval, ressignificadas e discutidas ainda nos dias de hoje. Sobretudo na forma de um trabalho artesanal que teve continuidade na tradição popular.

Para quem se interessa por este assunto, recomendo o livro de Antonio Santoni Rugiu “Nostalgia do Mestre Artesão” (Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1998). O artesanato que, historicamente, acabou por sucumbir sob o domínio da manufatura e da produção industrial generalizada, ainda sobrevive e exerce seu fascínio na simbologia de que se impregnam suas formas exteriores, memo despidas de seu conteúdo originário.

De certa forma abordei esse tema num trabalho meu “Carrancas do sertão: signos de ontem e de hoje” (Petrolina: SESC, 2006), focado no artesanato das carrancas, originariamente nas proas das barcas do rio São Francisco e sua evolução até o modelo das “carrancas vampiro”, esculpidas em série, completamente diferentes das que lhe deram origem e justificativa.

Por outro lado, cito uma publicação “Carina, isso não é coisa de mulher”, catálogo da exposição individual de esculturas de Carina Lacerda com curadoria de Flora Assumpção. (Flora Assumpção, Carina Lacerda: organização: Flora Romanelli Assumpção – Juazeiro/Ba: Univasf 2021.) A exposição foi realizada no SESC Petrolina, na Galeria de Artes Ana das Carrancas. Ressalte-se que Ana das Carrancas (1923-2008), a dama do barro, como ficou conhecida, era uma artesã que começou como “loiceira”, vendendo nas feiras livres de Petrolina, até que, premida pela necessidade de sobrevivência, teve uma espécie de iluminação e passou a modelar carrancas em barro, com um estilo próprio, marcadas pelos olhos vazados em homenagem ao marido cego. Seu trabalho foi aos poucos sendo reconhecido como arte e ela recebeu várias homenagens na cidade, no estado e no país. Mas Dona Ana nunca trabalhou na Oficina do Artesão, somente em sua casa, até ganhar moradia e local de trabalho com o nome, esse sim, de Centro de Artes Ana das Carrancas, hoje sob a responsabilidade de suas filhas.

No Catálogo, o depoimento de Carina Lacerda, datado de maio de 2020: “Em 2005 decidi me dedicar profissionalmente à arte de fazer esculturas em madeira. Como não havia escolas de arte na região, decidi procurar um espaço da cidade conhecido por Centro de Artes Mestre Quincas, localizado na Vila Eduardo, em Petrolina-PE.” Hoje, Carina tem um trabalho reconhecido, especialmente marcado por suas carrancas de peito, uma afirmação de gênero, tanto na escultura, como em sua vida militante.

Mas o que também me chama a atenção é o fato de ela ter colocado “Centro de Artes Mestre Quincas” e não Oficina do Artesão. Centro de artes carrega um significado completamente diferente de uma oficina de Artesanato. Acredito que haja a possibilidade de um diálogo entre essa nomenclatura e os objetivos daquele espaço. Quem são artistas? Quem são artesãos? Quem são mestres? Aprendizes de artes e ofícios? Como caracterizar diferenças e semelhanças?

Este artigo não tem a intenção de fazer um levantamento dos artesãos, dos produtos ali comercializados ou dar respostas a tantos questionamentos. Acredito que, além da curiosidade e do insólito desta Oficina, há muita possibilidade de trabalho – não só para os artistas – mas também para os estudantes e pesquisadores da região, em diversos níveis e cursos; fica o desafio.

 

As fotos a seguir são de autoria de Lucas do Val, tiradas em 6 de janeiro de 2023. Sem identificar e sem legendas, apenas oferecer uma amostragem da Oficina neste janeiro.

 Visite a Oficina você também, vale seu olhar...















Referência:

https://depetrolinaparaomundo.com.br/conhecendo-a-oficina-do-mestre-quincas-em-petrolina/

da turismóloga Tais Farias

http://www.portalturismobrasil.com.br/atracao/6470/Oficina-do-Artesao-Mestre-Quincas

 

3 comentários:

  1. Um artigo que instiga o desafio da pesquisa também é promissor para a história da cidade, para os artistas e equipamentos culturais...Boto fé!

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    1. Muito obrigada Auxiliadora por sua observação... vamos esperar que o desafio aconteça...

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  2. Maravilha mais um movimento literário que eu não sabia. Parabéns Beth pela sua coragem em pesquisar e publicar significativos achado em nossa história que poucos se interessam em saber. É preciso um movimento muito de entrega como vc faz sabiamente para incentivar muitos saírem da ignorância. Parabéns! Gosto de ler o que vc escreve.....
    Abraços alquímicos
    Sitapoetaterapeuta
    19/4/2023.

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