As cidades
visíveis
Elisabet Gonçalves Moreira
Por que não
gosto de caminhar pelas ruas de minha cidade? Nada é uniforme, então tenho
dificuldades para andar, para me desviar de buracos, de cocô de cachorro...
também me incomoda o cheiro de esgoto que vem das bocas de lobo... ou de xixi
velho nas encostas de muros... da visão do lixo que se espalha, principalmente
sacos plásticos vazios que se agarram como se vivos fossem.
Meu trajeto
é curto. Nas imediações de casa, quase periferia, caminho porque também é
preciso desenferrujar as juntas, olhar o mundo além do meu muro com cerca
elétrica. Levar apenas o essencial, saber da certeza de voltar onde a vida se
desenrola devagar e confortável.
Mas, de
repente, vejo uma grande folha vermelha de castanhola que o vento de julho
trouxe no meu caminho. Vermelha, uma cor que eu ou um mestre jamais conseguiria
reproduzir... ah, olhos de artista, me diz minha companheira. Sim, meus olhos
enxergam essas cores, o amarelo pálido das xananas nos vãos e interstícios das
margens das ruas...
Olho por
onde piso... quase um provérbio. Então vejo e também ouço... Barulhos
artificiais de artifícios tão modernos como uma acelerada de moto, do escape de
um carro, de gente apressada ou em exercício de levar o cachorrinho para
passear, mais um fazer obrigatório do viver na cidade.
De cidade
vem cidadão. Que relação haverá neste conceito? Ser da cidade, citadino, exclui
o camponês, o ribeirinho, o favelado e outros nomes que moldam condições e
classes sociais? Tantos significados, estereótipos, preconceitos e uma dinâmica
que vai e vem, apesar dos guetos e dos condomínios fechados.
Impossível
ver uma cidade sem pensar em suas contradições, no que está imóvel e belo
no cartão postal e o que se vê nas ruas,
nas praças, num pulsar quase frenético... O flanelinha insistente com sua lata
d´água abastecida no jardim público, o malabarista da esquina, pedintes em
várias situações, aqueles que entregam pequenos panfletos de propaganda de
óticas, de dentistas... por que não fazer um empréstimo consignado? Ou visitar
Madame Devoica?
Tantos
moldes, situações, embaraços, embrulhos, sacolas, gritos, buzinas, o horror se
instalando no caos... que se ordena no final do dia, no apagar das luzes...
Sim, podemos ver ou viver... vendo o vermelho de uma folha de castanhola ou
ignorando o que se passa, inevitável como o desenrolar dos dias...
Petrolina,
14 de julho de 17