Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

quarta-feira, 16 de março de 2016

Entreouvido

Escuta telefônica retratando o cotidiano além do conforto... podem ouvir/ler imaginando falantes e ouvintes - aliás a diferença entre as falas, pontos de vista, procurei fazer através de diferentes recursos gráficos -  das minhas múltiplas tentativas na escrita criativa.


Entreouvido

(Esse telefone que não me deixa dormir depois do almoço... aposto que é para Zulmira. Quase todo dia esse namorado liga, assim também já é demais.)

Maria da Conceição pensa em desligar, mas a curiosidade mata... Ou ensina.

Ei Zu, é hoje o combinado, certo?

(Ai que reconheço esta voz... é o policial, o que veio morar na casa que era de seu Fonseca.)

Certo Manoel, a gente se encontra no mesmo lugar?

Claro, sua besta, e nem pense em faltar. Tenho uns trampos com o táxi depois do serviço.

Eu só tenho que passar em casa.

Pra quê?

Calma, amor, eu preciso deixar os meninos com minha mãe.

Tá bom, tá certo. Mas não quero saber de perrengue.

Sei sim, mas também tô sabendo que você anda com a Socorro, que trabalha na casa de Dona Carmem. Pensa que não sei.

(Ops, este cabra não é casado? Filho da mãe...)

Vai te catar... você não tem nada a ver com isso.

É, pois na rua tão dizendo que você também está saindo com Dodora... Olha, não pense que sou besta não.

(Safado!)

Zulmira, não tô de brincadeira, olha lá, se não te meto uns tabefes. Vai se encontrar comigo e me leve o que te pedi.

Já comprei o maço de cigarros, mas tô sem dinheiro agora.

Não quero nem saber, traga o cigarro e os 50, do contrário já sabe. Nem sua cara feia, sem dentes, eu quero mais. Tô sem tempo e sem paciência.

(Santo Deus! E eu que pensei que fosse só um namorado!)

Maria da Conceição coloca o fone no aparelho... O mundo real lhe cochicha antes do cochilo que se pretendia cotidiano.

Narradora eu, inverto o que o velho Machado de Assis ironizava em “a moral é uma, os pecados são diferentes”: os pecados são iguais, a moral é que faz a diferença...
 
ELISABET GONÇALVES MOREIRA
Petrolina, 4 de março de 2014.

 

quarta-feira, 9 de março de 2016

Sertões e Mares: Encontros e Desencontros


Há algum tempo que sou colunista do Portal Interpoética, a convite de Cida Pedrosa e Sennor Ramos. Muito agradeço este convite, o que pude colaborar. Participei com 22 textos, quase duas dúzias de considerações, reflexões... Vou colocar alguns destes textos neste blog, até porque o Portal se fecha... A dinâmica dos tempos, dos suportes, dos veículos transforma nossos dias. . Então, reaproveito escritos e dinamizo leituras neste novo abrir possível.


SERTÕES E MARES: ENCONTROS E DESENCONTROS

Elisabet Gonçalves Moreira

Neste sertão ribeirinho, às margens do Velho Chico, mundão pós-moderno pois conectado está, recebi um convite desafiador para uma justificativa de bom alvitre. “O Interpoética em 2015 está completando 10 anos de existência e luta. Comemorando a data, teremos um espaço dentro da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco chamado Interpoética convida.”
Participar de uma mesa com Jomard Muniz de Britto, com a interrogação: Sertões e mares: qual a estética do pós-moderno? Acompanhada de uma afirmação, talvez direcionamento: A ideia é discutir as várias formas de expressão na arte (algumas tentativas esquisitas, outras impactantes).
Claro que aceitei, mesmo sem ser especialista em geografias e tentativas de expressão. Jomard, a quem muito admiro por sua poesia e sua postura, sabe bem dessas manhas. Mas o contraste, ele, um iconoclasta, ao lado de uma professora com sua didática bem certinha, o que seria esperado? Talvez assim, como mares e sertões em dicotomia.
Uma bienal, já anunciada como pobrezinha neste 2015. Mas não me importei com isso e, sim, comecei a pensar, ruminar o tema, o desafio, a honra deste convite. Tão pobre bienal que lá vem a notícia que esta mesa seria cancelada por falta de recursos.

Desculpas aceitas, o que se há de fazer? Sim, uma coluna para o Portal Interpoética, transformando talvez “limões em limonada” como Raimundo de Moraes me incentivou. Aqui apenas um monólogo no final de contas, parcos comentários introdutórios para um assunto nada fácil, por isso o título, vagando entre encontros e... desencontros. 

O foco está no paradoxo criado na nossa história: sertões e mares (tantos há de cada um) em geografias, limites e simbologia. Por isto, há encontros e desencontros, aproximações e embates. Além dos estereótipos, do senso comum, o desafio já navega no plural.

Diversidade, pluralidade que nos ajuda a pensar em concretizações. Especificando a arte, uma ou muitas estéticas que dialogam no espaço dos signos e representações de nossa cultura. Nela, nossos olhares se tornam vesgos muitas vezes.

Se pensarmos na estética do pós-moderno, muito há a se divagar, a citar... mas isso não é artigo para academia. Mas bem que poderia ser, se pensarmos na abrangência da questão e do direcionamento sugerido.

Salutar é a queda das convenções como parâmetro de pós-modernidade, implicando em redemocratização da arte, de seus espaços e possibilidades. E, embora passível de críticas e desabonos, acompanhamos muitas tentativas.
Exemplo recente tivemos em Petrolina. Dentro do Aldeia do Velho Chico, programação do mês de agosto do SESC local, uma barca com uma mostra flutuante sobre as carrancas subiu o rio São Francisco até a Ilha do Massangano, uma pequena viagem de três horas.
 
Carrancas originais das antigas barcas ao lado de outras representações contemporâneas destas mesmas carrancas estavam expostas numa grande mesa, com algumas alegorias. Muitos convidados, artistas, música de fundo, folder e até um vídeo faziam parte da mostra, regada com vinho destas margens.

Transcendendo a expectativa sobre o exótico ou o folclórico na tradição da carranca, esta mostra flutuante demonstrou as possibilidades de reinvenção, onde a memória e a afetividade são repaginadas, como bem afirmou o múltiplo artista Thom Galiano. Novas leituras, uma inserção no tempo da arte, uma suspensão do cotidiano pelo inusitado.
 
Tempos líquidos e espaços tecnológicos. Desfazem-se fronteiras e isso é muito bom. Inclusive a presença do espectador para o usufruto e diálogos com a arte, além das elites. Pelo menos parece existir uma boa vontade na política de facilitação do acesso às artes. Concordo, plateia se forma – dentre outras coisas – com sensação de pertinência ao espaço. Só assim, não há dia de calor, chuva ou frio para conseguir público e interação.

Daí termos uma maior insistência no uso dos espaços públicos para além dos palanques e palcos. Tentativas de expressão que não passam indiferentes. Danças, teatro, grafites e outras expressões fazem e se refazem. A cidade, o centro e a periferia se tornam demonstrativos desta nova acessibilidade. Mas que é uma luta aguerrida não temos dúvidas. Neste sertão, agora individualizado, acompanhamos mais dificuldades do que políticas públicas eficazes além do conservadorismo rançoso que ainda persiste.
 
A pós-modernidade aceita praticamente todas as manifestações do imaginário humano, o que a torna mais difícil de ser caracterizada, já que nela está a descaracterização da linearidade e da lógica. Uma entropia implícita que ainda assusta neste século XXI. Atravessando sertões e mares, como chegaremos ao fim do século?

Perguntas sem respostas, apenas acompanhando o processo, pois é nele que está a dinâmica da crítica. Signos que se relativizam em experiências que aguardamos cada vez mais impactantes, pois a realidade é ainda um tropeço, mesmo em tempos pós-modernos.
 
Finalizando, uma lembrança me vem à tona, nesta estrofe que remete a outras simbologias -  também reflexões -  quando volto ao título desafiador de uma mesa que poderia ter sido, entre sertões e mares.
 
“Tá contada a minha estória,
Verdade, imaginação.
Espero que o sinhô tenha tirado uma lição:
Que assim mal dividido
Esse mundo anda errado,
Que a terra é do homem,
Não é de Deus nem do Diabo!”
Glauber Rocha e Sérgio Ricardo Perseguição - Sertão vai virar mar (da trilha sonora do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol)
 

Petrolina, 15 de setembro de 2015.