Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

domingo, 20 de janeiro de 2019

DENTRO DE CASA

Minha casa é inundada de pequenos objetos, lembranças, curiosidades... todos com uma história de apego e conhecimento e não mera decoração. Tudo eu vou atrás, quero saber... já me disseram que tenho espírito de pesquisadora. Gostei disso, pois entre tantas observações que fazem sobre nossa pessoa (quanta aparência e sentidos temos?) está o valor que dou à curiosidade, às leituras mais profundas do que nos rodeia.

Talvez por isso também tenha me identificado com a Semiótica, essa leitura dos signos onde tudo é passível de leitura: “textos” em diferentes níveis de análise, encadeamento gerativo de ideias e significações.

Nestes dias de reclusão (por conta de uma convalescença) meus olhos se voltam para detalhes. Desenhando, procurando ver também nos ângulos, na luz e sombra de uma tendência “hiper-realista”, escolhi um pequeno anjo de liga metálica que fotografei, imprimi, copiei, pintei. Este anjo tem apenas 9,5 cm e uma referência “Faithfull Angels” by Ganz. Anjo dos milagres, escrito na tag. E com um pequeno texto, uma oração eu diria, que traduzi do inglês: “A fé vê o invisível, acredita no incredível, e recebe o impossível.”


Mas, nesta direção, um pequeno demônio se inseriu. Uma gárgula pensativa, cópia em resina (com um ímã nas costas) de uma gárgula da igreja Sacré  Coeur de Paris. Irônica, parece perguntar: E eu? Não faço parte de sua “instalação” doméstica?


Faz sim... quase sem perceber, também executei o mesmo procedimento. Os desenhos feitos ainda carecem de reparos. Apenas exercícios para percepção de luz e sombra, volume, e uso de diferentes materiais.

Mas a comparação do significado, deste contraste entre um anjo idealizado na figura feminina e um mítico monstrengo, fica inserida subliminar, a partir da própria escolha, consciente ou não. E na ousadia de fazer um texto sobre isto e uma pequena reflexão sobre a natureza humana.

Primeiramente uma referência sobre as gárgulas... Quem assistiu à animação da Disney “O corcunda de Notre Dame” viu como essa figura é usada. Quasímodo, o personagem criado por Victor Hugo, é similar a uma gárgula. E há várias adaptações cinematográficas, algumas antológicas.

Uma amiguinha de 8 anos me disse que viu a gárgula numa animação do Scooby Doo. Há jogos que   também usam a personagem, geralmente do mal, personificado pelo seu aspecto demoníaco. Em francês, a palavra é "gargoille", originalmente conhecida como "garganta". Daí “cuspirem” a água das chuvas, que escoa pelos telhados, fazendo parte da arquitetura gótica, nas catedrais medievais.

Existem diversos modelos de gárgulas, do grotesco ao satírico, mas é pela sua força simbólica que resistem e impregnam o imaginário ainda nos dias de hoje. Podem dar um aviso:  atenção, o demônio está sempre de olho. Ou, contemporizando, as gárgulas, lá do alto, servem para afastarem o mal, agindo como guardiãs da igreja.

Já os anjos, em toda sua inesgotável plêiade iconográfica, remetem a mais questionamentos do que as gárgulas. As representações destes seres do bem são sempre idealizadas. Tidos como seres perfeitos, carregam o conceito de beleza de nossa cultura através dos tempos. Beleza física e espiritual. Também os anjos são guardiões dos fiéis, protegendo-os do mal.

Existe uma hierarquia de anjos, categorias e funções bem definidas que o esoterismo e algumas correntes religiosas divulgam e complementam com associações de todo o tipo. De imediato eu só associo que os demônios são também anjos, expulsos do céu pelo Deus pai criador.

Assim, estas miniaturas que fazem parte do meu acervo doméstico – tenho muitas outras figuras de anjos – além de tê-las desenhado, carregam um significado especial para mim, apesar de minhas descrenças religiosas. A espiritualidade que se insinua, ancestral, fazendo parte da vida e de seus desafios. Alegorias? Sim, idiossincrática, gosto de pensar nestes desvãos sobretudo filosóficos.

Na eterna luta do Bem e do Mal, o homem sempre se viu dividido entre crenças e religiões, entre objetos, ícones e símbolos que tanto podem significar proteção como poder, medo ou fé. Escolhas que fazem parte de nossa humanidade e de suas contradições.


Gárgula original da Igreja de Sacré Coeur em Paris, pensativa e observando a cidade.



Petrolina, 20 de janeiro de 2019

Elisabet Gonçalves Moreira