Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

MARCAS DE FERRAR (Parte I)

 Como um folhetim... vou publicar por aqui uma sequência de minha pesquisa sobre MARCAS DE FERRAR, seja gado ou gente, signos do sertão ou de outras geografias, abrangendo muitos desafios e histórias. Espero atingir interesse do público... além da academia, olhares em diversos focos, uma escrita em divulgação... 

Esta Parte I é uma apresentação. Na parte II, MARCAS NA LITERATURA: FERRANDO GENTE E GADO, vou mostrar como Ariano Suassuna, Guimarães Rosa e José de Alencar trouxeram estas marcas em algumas de suas obras e como elas funcionam simbolicamente no contexto da narrativa. Aguardem para breve...

 

 Em memória do Professor Roberto Benjamim (1943-2013)


"Pastar nos grandes prados do visível."              

Murilo Mendes

                                                                                                       (in Poliedro, Rio: José 0lympio,1972, p.140)

 

                                                                                                       (Foto de Sílvia Nonata)

Ferro de marcar gado

Proprietário: Januário José Moreira (1899-1985)

Medidas: Comprimento total: 26,5 cm.  Altura da frente: 9 cm.  Diâmetro da roda: 3,2 cm

Visualmente, na frente, que é a marca, temos uma estrutura básica centrada num círculo; simetricamente uma ponta para o alto, achatada como um prego e outra ponta para baixo, abrindo-se em duas pequenas pontas laterais. O círculo é um símbolo protetor de grande força mística. As pontas laterais, além de, esteticamente, apoiar a peça, lembram as possibilidades de olhar de um lado para o outro.

Ferro usado na primeira metade do século XX. Um vaqueiro tomava conta de vários animais de vários donos. De cada 4 bezerros que nasciam, um era do vaqueiro.

Localização: Pacus, vilarejo às margens do rio São Francisco e que hoje está submerso, após construção da Barragem de Sobradinho. O local pertencia a Santana do Sobrado que, por sua vez, era distrito do município de Casa Nova, Bahia.


Paulista, aportada em Petrolina, nas margens do rio São Francisco, nos idos dos anos 70, me vi envolvida – e desafiada – por um ambiente prenhe de aspectos culturais inteiramente novos para mim. Meu interesse por esses aspectos me motivou a refletir sobre eles e a buscar compreender, na verdade dos costumes e usos, um pouco da sabedoria sertaneja e de sua arte, reflexo de uma época e de um modo de viver.

Num primeiro momento nada mais vi que um ferro de marcar boi, como me foi dito e apresentado. Estranhei. Por que ele não mostrava as iniciais do dono, semelhança visual que é a referência lógica, costumeira, como eu conhecia?

Mas, nem sempre. Pouco a pouco, vim a saber, uma gama de respostas e um mundo de significados.


Na sequência, um causo me foi narrado. Nada tão instigante como esta narrativa preciosa e simbólica: um novo amigo e vizinho, dono de algumas propriedades rurais, tinha uma delas com o nome, já herdado, de “Lagoa do Meio”. Entretanto, aconteceu lá um acidente com seu filho menor, que quase ia morrendo afogado no açude. Por causa disso, ele mudou o nome da roça para "Ressurreição" e a marca do ferro para um pequeno sol, pois esse, esclareceu, significa a vida, a luz. 

 

Além dessa explicação, a leitura de Iúri Lotman me alargou os caminhos:

 

             "A compreensão da cultura como informação determina alguns métodos de pesquisa. Ela permite examinar tanto etapas isoladas da cultura como todo o conjunto de fatos histórico-culturais na qualidade de uma espécie de texto aberto, e aplicar em seu estudo métodos gerais da Semiótica e da Linguística Estrutural."  [1]

 

O paradigma indiciário ou semiótico é, pois, a referência fundamental para análises, observações e comparações históricas e culturais.


Assim, este trabalho não pretende ficar como um simples registro das marcas de gado do Sertão nordestino, espaço a que me limitei em princípio, pois essas marcas são de muitos espaços, daqui e d´além-mar, e de muitas histórias. Minha pretensão não implica também nenhuma resposta definitiva, já que inclui, na abertura intersemiótica, um feixe de possibilidades.


Primeiramente as pesquisas in loco: vaqueiros, proprietários de algum gado ou de roças, ferreiros, gente honesta e boa a dar informações. E ferros, muitos ferros, a maioria já sem uso, todos ganhados de presente. Diziam: já não servem para nada.... Comecei então uma pequena coleção. Detalhando esse olhar inicial, iniciei um projeto de pesquisa que vem se desenrolando há décadas.


Tendo retrabalhado esse projeto desde 2022, ele ficou extenso para ser colocado aqui de vez, por isso, estou optando por apresentá-lo em partes, facilitando, espero, a leitura e os caminhos que possam ser abertos, aprovados ou questionados. O veículo blog me pareceu uma alternativa. Estou à disposição... por aqui ou por este contato:

                       elisabetmoreira2014@gmail.com



[1] LOTMAN, Iúri M., "Sobre o Problema da Tipologia da Cultura" in Semiótica Russa, São Paulo: Perspectiva, 79, p.32