Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

terça-feira, 21 de junho de 2022

ACORDA JOÃO


Acorda João: não sei se acordei ou não, mas fiz um acordo com o santinho, esse São João menino, do carneirinho, que sempre me encantou e que se baseia na linda história – dentre as muitas histórias e lendas que se perdem na tradição dos tempos, reiventadas e ressignificadas em sua diversidade - de que o menino São João está sempre a dormir. Embora possa parecer contraditório, algumas histórias diziam que não se podia acordá-lo, senão o mundo se acabaria em fogo, mas outras dizem que, no tempo dos escravos, estes despejavam nos braseiros milho verde e raízes como cará e que os moços e moleques, pulando as fogueiras, gritavam: "Acorda, João!". Ao que muitos respondiam, cantando:

                                      "São João está dormindo,
                                        Não acorda não!
                                        Dê-lhe cravos, dê-lhe rosas
                                        E manjericão!"

Evidentemente que a cantiga "Capelinha de melão", conhecida até hoje, é uma variante destes versinhos. Pois bem, numa festa tão alegre, cheia de luzes e cores, eu quis acordar João, se não para conosco brincar, para revisitar algumas alegorias em desenhos e pinturas, como eu construí meu olhar sobre esta figura mítica, de cabelos cacheados e olhar melancólico... Desta representação que é sobretudo popular, como ela ficou no imaginário coletivo.

(São João do carneirinho – imagem de domínio público)

Recordando: em 2006, fiz minha primeira (e única) exposição individual de pintura com o nome Acorda João, no SESC de Petrolina, com o incentivo e a curadoria de Edineide Torres. Circunstâncias do entorno ajudaram nessa realização; havia o clima das festividades juninas e eu esperava mostrar meu trabalho, me dedicando bastante nesta prática. Além dos estudos e pesquisas que me motivaram e me motivam até hoje, retrabalho alguns itens, mas avisando que tenho um ensaio iniciado sobre este tema e que, espero, terminar ainda neste ano 22.

Justificando: desde criança, no século passado, morando no interior de São Paulo, pude acompanhar as festas juninas, seu aspecto religioso, as fogueiras, o levantar do mastro com os três santos: São João, Santo Antônio e São Pedro, acompanhado do espocar de muitos fogos. Esse era o momento alto da festa e eu adorava tudo isso. A figura de São João se destacava: uma linda criança, de rosto redondo e meigo, cabelos cacheados com um carneirinho no colo, bem diferente dos outros dois santos, representados como adultos. Minha memória de criança ficou marcada por esta festa e por aquele olhar do menino santo.

Morando em Petrolina, desde o ano de 1976, guardei, ao longo de muitos anos, a embalagem de uma caixa de fogos e mais dois cartazes de propaganda que tinham este São João menino, já com a intenção de, um dia, desenhá-lo e pintá-lo. Somente no final de 2004, tendo minhas primeiras aulas de pintura com Alberto Simões, pude finalmente pintar meu primeiro São João do carneirinho. Eu o fiz despretensiosamente para dar para minha cunhada, em cuja roça, chamada de Sítio São João, nome dado por seu falecido esposo também chamado João, passávamos a noite de 23 de junho para 24, com festas lindas, memoráveis, do outro lado do rio São Francisco, em Juazeiro da Bahia. Algumas amigas que viram o quadro, imediatamente também me pediram um São João do carneirinho.

Quem pinta ou desenha, sabe disso: não dá para repetir um mesmo quadro, uma mesma criação, há sempre variantes de um mesmo tema. Fiz mais dois quadros e, enquanto pintava, ia pensando nos porquês desta figura emblemática e tão querida, assim como na possibilidade de fazer uma série de quadros ou trabalhos com o São João do carneirinho.

Comecei a pesquisar, tanto na iconografia ocidental consagrada, como nos textos, quem foi São João, o Batista. E também me surgiu a ideia de escrever um livro ou um texto sobre esta pesquisa, sobre a simbologia desta representação e porque São João ficou tão marcante no imaginário popular.

São João Batista é um santo católico, mas minha exposição, assim como minha pesquisa, diretamente, nada tem a ver com religião. É sob o prisma de um olhar cultural para esta representação popular do São João menino e das inúmeras possibilidades de recriar propostas artísticas que fiz, naquela ocasião, 14 trabalhos. Inclusive, de um aprendizado específico sobre linguagens e técnicas diferentes. Vendendo ou não, foi muito prazeroso, além de ter uma motivação, um projeto que muito me realizou.

                 Quem foi São João Batista

     São João aparece na Bíblia como aquele que prepara o caminho para a chegada do Messias. Já no Antigo Testamento encontram-se passagens que se referem a João Batista. Segundo o Evangelho de Lucas, João, mais tarde chamado o Batista, nasceu numa cidade do reino de Judá, filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, parenta próxima de Maria, mãe de Jesus. Lucas narra as circunstâncias sobrenaturais que precederam o nascimento do menino. Isabel, estéril e já idosa, viu sua vontade de ter filhos satisfeita, quando o anjo Gabriel anunciou a Zacarias que a esposa lhe daria um filho, que devia se chamar João. Depois disso, Maria foi visitar Isabel. "Ora quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?' " (Lc 1:41-43).

        Para complementar, observei que João Batista, às vezes, é confundido com o próprio Cristo, algo que ele sempre negou. Quando seus discípulos hesitavam, sem saber a quem seguir, ele apontava em direção a Jesus, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". (Jo 1,29). Assim, o início desta frase simbólica faz parte da representação do São João, com um cajado de pastor em forma de cruz e uma faixa onde se lê: “Ecce Agnus Dei” ou “Eis o Cordeiro de Deus”. Realço também aqui a simbologia deste “apontar”: em muitas representações João Batista aparece apontando o dedo indicador para o céu ou para o menino Jesus.

            São João Batista também costuma ser confundido com São João Evangelista, o que escreveu o Apocalipse, e que foi discípulo de Jesus, fazendo parte da última ceia. Não são o mesmo: João Batista não deixou nada escrito, assim como Jesus, seu primo.

            Outro detalhe significativo: João Batista é o único santo, além da Virgem Maria, de quem a liturgia celebra o nascimento e não a data de sua morte. E sua data de nascimento se daria em 24 de junho, dia do início do solstício de verão no hemisfério norte, repositório de antigas tradições pagãs, com cânticos e fogueiras, uma festa de renovação da vida, da fertilidade da terra iluminada pelo sol depois do inverno sombrio.

            O catolicismo associou essas comemorações ao “aniversário” de São João Batista, desde o século VI de nossa era. Os portugueses as trouxeram para o Brasil com sua colonização e, até hoje, mesmo híbrida, com elementos da cultura indígena e africana, o dia de São João é comemorado com uma fogueira e muitas festas, uma mistura religiosa e profana. Uma noite que para nós, brasileiros, é a noite mais longa – e também a mais fria do ano - ao contrário do hemisfério norte, no verão.

          Outra história que associa a fogueira do ciclo junino: diz-se que Isabel, para avisar sua prima Maria do nascimento de seu filho, acendeu uma fogueira, sinal combinado entre elas. Associado à fogueira, há também o barulho provocado pelos rojões e fogos de artifício para dar avisos. Avisos do nascimento de uma criança, de uma nova esperança, de um renascer.

        Acredito que, justamente por se comemorar o seu nascimento (assim como do menino Jesus no Natal), é que se representa o São João menino. O fato de João Batista e Jesus serem primos, leva a imaginar que brincaram quando crianças, uma afetividade que os humaniza também. Veja-se a intimidade entre os dois, relatada no Evangelho, quando suas mães ainda estavam grávidas e que “a criança estremeceu no ventre” de Isabel, mãe de João, já uma velha. Ambos os meninos foram anunciados pelo Anjo Gabriel, entre outras similaridades. 

        Todas essas circunstâncias realçam o papel relevante na relação entre João Batista e Jesus Cristo que deveriam ter, portanto, a mesma idade e que, como primos, provavelmente devem ter brincado juntos. Essa infância e este privilégio ficaram marcados no imaginário; veja-se o exemplo no meu pequeno painel (óleo sobre tela), uma “releitura” do quadro de Bartolomé Esteban de Murilo (1617-1682), pintor do barroco espanhol, nesta bela imagem de duas crianças brancas, na qual o menino Jesus é quem oferece água para João, observados por um carneirinho, símbolo do sacrifício que atingiria os dois quando adultos, numa alegoria do próprio batismo. 

         

É quase certo que a imagem mais popular de São João do carneirinho é francesa, pois havia na França grandes “impremeries”, ou sejam, gráficas, que espalhavam pela Europa representações de santos feitas por artistas populares. Há também a presença da “cardabelle”, espécie de flor típica do mediterrâneo, acompanhada de cravos vermelhos, uma imagem que não é nossa, dos trópicos.

A imagem do São João do carneirinho, como uma suave criança, é um traço típico do século XIX, do romantismo da época, no qual o mito da infância inocente se fortaleceu. Sem dúvida é uma imagem construída culturalmente, idealizada, de uma criança perfeita, perto de Deus e de seus símbolos. Um exemplo para todas as outras crianças.

            Numa releitura desta representação, substitui, no quadro abaixo (óleo sobre tela) a cardabelle europeia pela xanana (ou chanana) esta flor que viceja livre nos interstícios das calçadas de algumas cidades, como eu vejo aqui em Petrolina.


        Invariante, constata-se a presença do menino (às vezes um pré-adolescente como hoje classificamos, nesta faixa de 9 a 12 anos), com cabelos cacheados, vestido parcamente com pele de camelo ou de carneiro, um ombro nu, segurando um cajado fino de madeira que ostenta a faixa com os dizeres em latim “Ecce Agnus Dei” (Eis o Cordeiro de Deus), um cordeiro ou um carneirinho filhote no colo, geralmente numa paisagem que lembra uma noite de céu estrelado e ostentando, na parte inferior, um arranjo simétrico de flores.

            Resumindo:

  • Representação da criança, menino:  sua aparência meiga, bela, serena, está mediada por um olhar idealizado da criança, fortalecida no século XIX, com as teses do Romantismo. Observe-se que esta criança nunca está sorrindo: há uma atmosfera de melancolia, certa tristeza no semblante, caracterizando a essência da própria história de João Batista e seu martírio. Esta representação é bem diferente da sensualidade e até mesmo certa dubiedade nos meninos da pintura clássica, renascentista, que representam São João.
  • Veste de pêlo de camelo ou de carneiro: alusão ao fato de ele ter sido uma pessoa pobre, de origem humilde, que foi para o deserto se penitenciar. Lembrem-se que o camelo, assim como o carneiro, faz parte dos animais da Palestina da época, solo áspero, quase desértico. Lembra também o despojamento pregado por Cristo.
  • Cajado de madeira em forma de cruz: os pastores sempre têm à mão um cajado para orientar o rebanho ou espantar inimigos. Em forma de cruz, lembrando o símbolo maior do sacrifício do Cristo crucificado: cruz que é também o símbolo da fé cristã, que orienta os fiéis e os conduz para a fé.
  • Faixa branca com os dizeres em latim, língua oficial do catolicismo: “Ecce Agnus Dei” - Eis o Cordeiro de Deus – frase atribuída a João Batista quando apontava para Jesus. A maioria das pessoas a quem entrevistei desconhecia o significado desta frase.  Escrita em cor vermelha, ela simboliza o martírio do cordeiro, do Cristo e, também, através de tanta similaridade, do próprio João Batista que viria a ser degolado quando adulto.
  • Cordeiro: é um símbolo com vários significados. Desde a ovelha perdida que o pastor procura no deserto ou a que volta, pródiga, para o rebanho, nas parábolas de Cristo até a analogia do animal com o próprio Cristo, sacrificado para salvar a humanidade, segundo a fé cristã. Na tradição judaica, o cordeiro pascal do Velho Testamento e o sacrifício do cordeiro num ritual de adoração a Deus, é citado várias vezes. Também o cordeiro é um símbolo de humildade, associado ao povo, considerado dócil pelo poder, porque subjugado. O próprio Jesus, várias vezes, também se identifica como um pastor de ovelhas, isto é, de almas a serem redimidas.
  • Céu estrelado, com nuvens, às vezes até um arco-íris: é a representação da santidade de São João, num céu simbolizado, aquele que ascendeu, subiu para o paraíso. É uma noite clara, iluminada por pequenas estrelas e cores que fazem o fundo da imagem. Esta claridade, que circunda a cabeça do menino, a auréola (dourada) que o distingue como santificado, um ser especial que ostenta sua aura, resplandece como um sol, símbolo da vida.
  • Flores: interpreto como uma homenagem ao pequenino João, um santo querido. Sejam flores europeias ou não, elas “enfeitam” e finalizam a extremidade inferior dos quadros, lembrando a terra, onde ficamos nós, mortais. Se pensarmos em interpretações mais sutis, poderemos lembrar dos 4 elementos da natureza, base da alquimia e de outras relações: ar (nuvens no espaço), terra (flores, cordeiro), água (já que ele é o Batista, o que batiza nas águas) e fogo (sol, aura, luzes, além do “batismo de fogo” anunciado por ele).

                       Um menino especial

Xangô menino – óleo sobre tela

         Outra bela história, outra simbologia. O orixá Xangô é a divindade, no candomblé e na umbanda, que rege o fogo, o trovão, os raios, muito semelhante a Javé, Zeus, Odin e Tupã. O valor simbólico e filosófico de João Batista ultrapassa o dogma católico: João batizava os seus adeptos com água (ou seja, utilizando um símbolo material), mas afirmava, que o que viria depois dele "batizaria com fogo", isto é, o Espírito Santo. 

        Assim, associou-se o Xangô da cachoeira com São João Batista, por causa do batismo de Jesus, de lavar a cabeça na água doce para se purificar. Com o poder do fogo de Xangô é queimado, destruído tudo o que é de ruim e ocorre a transmutação, trazendo tudo o que é de bom, todo o bem possível, de acordo com o nosso merecimento. Isso é o que os adeptos da umbanda pedem nas fogueiras do mês de junho e por isso ele é tão poderoso.

O seu machado é o símbolo da imparcialidade. Xangô é uma divindade da vida, representado pelo fogo ardente e por essa razão não tem afinidade com a morte e nem com os outros orixás que se ligam à morte. Segundo minhas pesquisas, Xangô, sincretizado com São João Batista, é também o patrono da linha do oriente, na qual se manifestam espíritos mestres em ciências ocultas, astrologia, quiromancia, numerologia, cartomancia. Por este motivo, a linha dos ciganos está também relacionada com este sincretismo.

Lembrar agora de Caetano Veloso e Gilberto Gil, os doces bárbaros da década de 70, que cantaram e destacaram este Xangô menino e sua simbologia. Outros artistas também o louvaram.

“Olha pro céu, meu amor,
veja como ele está lindo
Noite tão fria de junho, Xangô,
canto tanto canto lindo

Fogo, fogo de artifício,
quero ser sempre o menino
As estrelas deste mundo Xangô,
ah, São João, Xangô Menino”
 

https://www.youtube.com/watch?v=tKomMQ1zdvI

                      Bandeiras ou estandartes de São João



            Arte mista: pintura sobre tecido, depois colagem de adereços para ornamentação.

            Bandeiras ou estandartes são alegorias muito representativas de festejos, de instituições militares ou civis e religiosas. Veja-se o exemplo no carnaval com as associações de blocos e escolas de samba. Há alguns exemplares magníficos pelo trabalho artesanal, pela riqueza dos detalhes. Eu me interessei também por esta representação, até porque existe, embora com menos evidência, toda uma tradição ligada às bandeiras de São João.

            No Recife e nas cidades vizinhas, ainda existe a procissão dançante da Bandeira de São João, a tradicional “Acorda povo”.  Inclusive com detalhes em vermelho e branco, as cores de Xangô, na decoração e nas vestimentas, marcas do sincretismo religioso. Indico um livro lindo, de Ronaldo Brito e Assis Lima, com ilustrações de Rosinha: Bandeira de São João, editado pela Bagaço, do Recife, em 1996. Acompanha também um CD, musicado por Antônio Madureira, muito precioso. Na apresentação do CD, os autores confirmam a multiplicidade do São João, de alguns arquétipos e representações: “A festa de São João adquire o valor de uma “sagração da primavera”, louvando-se com cantos, danças, casamentos e brincadeiras o santo que propicia a fertilidade. (...) Santo sagrado e pagão, solto no mundo com sua bandeira de dançarino, a serviço dos homens e de Deus.”

            Nas minhas bandeiras procurei diversificar os modelos e a simbologia colando elementos os mais variados possíveis, mas que têm uma significação “junina” como flores de grãos de milho, retalhos, fitas coloridas, cristais etc. Pintei o menino João com tinta de tecido e depois parti para a experiência de trabalho manual, criando e reciclando alguns elementos decorativos. Depois destes estandartes fiz muitos outros, porém numa perspectiva artesanal, decorativa.

       Contato com um informante francês, através da web.

 

             

"Inspirada" nesta foto e no mito cosmo-agrário de São João eu o desenhei e pintei, como se fora no deserto, misto de nossa caatinga nordestina. 

A foto é da década de 40 do século XX, em La Feuillé, na Bretagne, França. Eu "descobri" isto em minhas pesquisas pela web e, por incrível que pareça, me correspondi com o menino, M. Jacques Thepaut, claro que, agora, um senhor idoso. Eles chamam lá de "pardon", no sentido quase nosso de romaria, peregrinação, uma procissão na verdade. Inclusive com estandartes. Segundo M. Thepaut, não há mais le pardon, apenas fogueiras, "le feu de la Saint Jean". Em Mônaco, no Canadá francês (Quebec), também na Córsega, Itália, há festas de São João, nos dias 23 e 24 de junho, com crianças vestidas como se fossem São João. No Brasil, não há um cultivo regular desta representação. Aqui as crianças se “fantasiam” de caipiras ou matutos para dançar a quadrilha junina, um estereótipo que ainda persiste. 

              Caminhos e atalhos de uma pesquisa em andamento

 

            Além de muitos textos, consegui encontrar e montar uma galeria de quase 100 representações de São João Batista menino/criança ou adolescente, nunca adulto, selecionadas dessa forma, em close ou só, como destaque principal. São nomes consagrados da pintura ocidental, desde Leonardo da Vinci, Caravaggio (o que mais pintou São João menino), Murilo, Bouguereau, enfim passando por todos os séculos e fases da história da arte, até os nossos dias, até o Brasil. É incrível este passeio pelo universo artístico. Inclusive com representações até mesmo bastante sensuais do menino, sobretudo no Renascimento italiano.

            Ao lado disso, também fiz uma “galeria” de representações anônimas, a que chamei de populares, em santinhos e algumas réplicas dos pintores consagrados. Evidentemente que estas representações são mais próximas, em termos de tempo, do século XIX em diante.

            Meu objetivo é o de escrever um trabalho mais amplo sobre estas representações, comparando os elementos constitutivos e simbólicos, interpretando olhares e significados.

 

             Destaques da exposição “Acorda João”: registro de outros trabalhos

 

           Algo completamente novo para mim na época, mas de que gostei muito, foi  o São João bordado. Sempre gostei de bordar, de pequenos trabalhos manuais e me veio a ideia de também bordar um São João, como um desafio. Já havia visto os trabalhos admiráveis na ilustração de livros infantis da família Dumont, de Minas Gerais e isso me deu mais motivação. Pesquisei pontos e me lancei. Deu muito trabalho... acredito que muito mais do que as pinturas, mas o resultado ficou bem interessante. Pergunto-me: será arte? Arte-objeto, como me disseram.


                                            


Abaixo, uma aquarela e uma pintura em madeira com colagem tipo “casinha”.

                              


            Aprendi muito com esta exposição, em vários sentidos. Desde o sentido do fazer, do executar uma proposta, dos caminhos inesperados que ela pode conter, até o sentido da pesquisa e de tentar compreender os mistérios desta escolha. Mistérios da espiritualidade humana, de suas crenças, convicções e desejo de recepção, de se comunicar artisticamente. E poder “esquentar” meu coração, como nos versinhos:

            “O céu é tão lindo

            e a noite é tão boa.

            São João, São João,

            Acende a fogueira

            No meu coração.”

 

 

Petrolina, reescrito em junho de 2022

Elisabet Gonçalves Moreira

 

Um encontro especial: João Batista, Caravaggio e eu em Florença, Itália (2017). Repensando a temática e o fazer...