Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

quinta-feira, 27 de abril de 2017

“O SAMBA É FOGO”: O povo e a força do Samba de Véio da Ilha do Massangano


                                                                                                          

                                                                            “O Samba é Fogo”:
                                       O povo e a força do Samba de Véio da Ilha do Massangano
                                                                                                     Márcia Nóbrega
                                                                     (Rio: Papeis Selvagens; SESC, 2017, página 80)
Que livro é esse?

 Livro que não arde, mas cuja leitura pode incendiar, como o samba, com seu povo e sua força...

“O que importa é que a brincadeira é a arte de proporcionar encontros, seja ele entre pessoas entre si, coisas ou espíritos. Através dele passam intensidades – seja a força ou seja o fogo – que comporão agenciamentos que, longe de levar à produção de um sujeito unificado, compõe sujeitos múltiplos.”  (página 80)

Só mesmo uma observadora de olhar sensível e apurado para narrar  possibilidades de significados e nos oferecer uma travessia e um porto para ancoragem de entendimento, se isso for desejo.

Não há dúvidas, Márcia Nóbrega, neste livro, que já foi dissertação de mestrado, defendida em 2010 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, nos revela como o fogo e as águas circulam na Ilha do Massangano.  E, por isso, este livro é fundamental para entendermos o samba de veio e o jogo de relações que o identificam. Sempre vi, neste trabalho de Márcia, uma fundamentação consistente e original para nos mostrar como aquele povo da ilha é e está em seu viver e sentir, tendo como mote o samba ali acontecendo.

Que fogo é esse que dá voz e força a um povo cercado de água por todos os lados?

                                                                               (Foto de Lizandra Martins)

As lições que o livro nos passa mostram que, mesmo em terra firme, podemos ainda aprender com esse modo de viver e sentir, de relações entre o mundo natural e o sobrenatural, de antinomias e de constantes reinvenções onde o princípio básico é mostrar a vida (e a morte) em encontros e intensidades.

Para isso servem as festas, outras tantas que na ilha há, servem também orações e penitências, servem suas práticas em procedimentos e processos, serve o samba.

Um samba que carrega hoje uma característica: “samba de veio”, quando saiu da ilha e se tornou espetáculo em palcos da cidade, pois na Ilha ele é apenas samba, sem figurinos e chapéus de palha. É dos “janeiros”, de “reis”, pedindo licença para entrar. E, em sua intensidade, esse fogo que nele habita e que nele se faz necessário, desde afinar o couro dos tamboretes, esquentar o corpo na cachaça até incendiar emoções.

Canções, vozes, batidas, palmas, umbigadas, balanço, ritmo, muito além do entretenimento, parte intrínseca da vida, do cotidiano e de um modo de ser neste mundo, microcosmo numa ilha, de gente, de parentes que se fazem povo em suas variadas designações. Nomes e desígnios, destinos que se cruzam e se fundem...

Uma ilha de nome Massangano, de raiz africana, mistura-se no samba com os caboclos, vibram canções vindas do litoral e de outros portos, neste vaivém das águas e dos séculos... Márcia cria adjetivos, dá gênero ao nome, desaguando tudo numa  “existência massangana”. E é aí que seu trabalho de observadora e estudiosa se justifica.

Não dá para sintetizar em apresentações ou artigos o que seja esta existência, talvez pontuar detalhes e características no geral. A palavra tradição praticamente não existe no trabalho de Márcia, pois é no presente dinâmico de cada rodada de samba, sua motivação e encadeamento que o samba de veio da Ilha do Massangano se faz e se refaz no fogo simbólico que “esquenta” a própria vida. 

Sem estereótipos ou exotismo, Márcia capta e analisa sabiamente esta realidade, a do cotidiano, do dia-a-dia em sua luta pela sobrevivência, marcada por uma alegria de ser, de saber como ela nos diz, “de nunca estar sozinho”, existindo pelas forças atávicas em sintonia, seja no terreiro, seja na festa...

Quem precisa ler o livro de Márcia? Quem quer ler o livro de Márcia?

Então é esta uma apresentação, um lançamento, um convite à leitura, ao conhecimento do que vale a pena, com momentos de intensa linguagem poética, nos transes de observação do que é a vida em sua dinâmica. Não só do samba de veio ou do povo da ilha, mas poder também extrapolar para outros olhares, metodologias e informações.  

Márcia Nóbrega soube vivenciar os mistérios desta ilha e escrever para que nós outros saibamos que esse fogo é também a força de um povo... sabemos dele? Distanciados pelas águas e o circuito urbano não podemos fingir que não sabemos o que o povo da ilha pensa, sonha, dança, vive... Um “povo” que se estende para outros ilhados ao nosso redor.

                                                      
Flagrante no lançamento do livro em 23/4/17, na Ilha do Massangano. Dona Amélia, mestre do samba numa ponta e, na outra, Márcia Nóbrega. (Foto de Tatiana Devos Gentile)

Parabéns querida Márcia, torci muito pela edição deste livro, assim como outros amigos seus.
Que venham outras complementações, já que, bem sabemos, tudo está em processo, e um olhar dinâmico é fundamental... e você o tem. Assim como tem o dom de escrever bem.
Carinho,
Elisabet G. Moreira

Abril de 2017