Retrato da Princesa Elisabeth da
Saxônia de Lucas Cranach, o Jovem (1564)
Medidas: 38,8 cm por 28,5 cm. O rosto e a trança do cabelo pintada em
óleo; desenho em marrom. O papel foi
preparado com base de óleo rosa claro. Acervo do Kupferstichkabinett em Berlim,
Alemanha
Releitura de Cranach, de Elisabet G. Moreira, óleo sobre madeira, 80 x
70 cm, 2014.
“Um olho vê, o outro sente”, frase exemplar de Paul Klee. Olhe novamente para a reprodução do esboço para o retrato da princesa Elisabeth da Saxônia, feito por Cranach, o Jovem, em 1564. Sobretudo aquele olhar, a claridade, a perfeição, me seduziram. Fiz primeiramente um desenho a partir da observação desse esboço assim que o vi, na capa de um livro de arte.
Isso foi em 2009, na cidade de Laredo, TX, nos Estados Unidos, fronteira com o México, onde tive algumas aulas de desenho com o artista Juan António Barajas, na galeria de arte 201. Visitava uma de minhas filhas e, como sempre gostei de desenhar e pintar, quis mais uma experiência. A galeria era muito especial, motivadora, num prédio antigo, estilo vivenda espanhola, de grossas paredes, tijolos à mostra. Sempre havia quadros muito bons. Juan Barajas, pintor e professor, é um excelente artista, figurativo. Suas obras são quase todas vendidas no site da Artelista. Meu desenho (sanguínea sobre papel) foi selecionado para uma exposição no final do curso.
Trouxe para o Brasil o desenho que fizera. Em
Petrolina conheci uma artista que me convidou para fazer uma exposição em
conjunto, trabalhando na madeira, com pintura e colagem. A colagem já estava
nos meus planos; gosto bastante desta possibilidade mais contemporânea de
expressão artística. Adquirimos os chassis em madeira e “aproveitei” o desenho
que havia feito. A intenção era fazer
uma colagem de renda em torno da figura, usando tinta acrílica para a pintura,
mas o projeto não foi avante, por várias razões. O “quadro” ficou encostado
durante três anos. Um bloqueio criativo,
se assim pode ser chamado, me impediu de continuar e, inclusive, de fazer
outros trabalhos em pintura.
Em 2013, novamente motivada, recomecei a ter aulas de desenho e pintura, agora com Jorge Sairaf, pintor juazeirense, na Tenda Artes, em Petrolina. Jorge estudou em Salvador, morou em Portugal por 20 anos, sempre trabalhando com pintura, vendendo seus quadros e dando aulas. Infelizmente veio a falecer em 2020. Seu estilo clássico, combinando muitas vezes releituras, numa motivação surreal, realmente foi apropriado para a continuidade do meu trabalho.
Jorge Sairaf renegou a colagem, que eu ainda insistia.
Pintura a óleo, para treinamento e aprendizagem. E que aprendizagem! A madeira
não havia sido suficientemente tratada como base e sofremos bastante. Enfim,
fazia parte! Camadas e camadas de tinta, de ideias, de mudanças para detalhes
foram se acumulando durante meses. O arabesco saiu por insistência minha, como
“moldura” para o retrato. Deveria haver outro, mas desistimos. E o vestido? E
os enfeites?
Cranach foi um detalhista. O esboço para o retrato de
Elisabeth da Saxônia era uma técnica para a pintura mais tarde. Desconhece-se,
no entanto, se realmente ele chegou a finalizar o retrato da princesa após este
esboço.
Pesquisei bastante e, neste viés pedagógico de história da arte também coloco alguns de seus retratos de mulheres da aristocracia da época. A profusão de detalhes em jóias e adereços nos retratos de Lucas Cranach tem, evidentemente, o papel de definir a posição social do retratado e o mundo em que viviam. Aliás, observando bem as mulheres ali retratadas, percebemos que são bastante parecidas umas com a outras, na mesma posição. Daí, o pintor dar a também a conotação de um fashionista, realçando o figurino e a ostentação da aristocracia.
Pintado o rosto na madeira, sobre o meu desenho, fomos definindo os detalhes. Decidi
passar uma camada de tinta cobre metálica em todo o fundo, isso mais de uma
vez. Jorge não gostou, mas depois aceitou e introduzimos detalhes dourados.
Eu também quis esta faixa escrita que aparece na parte inferior da pintura para introduzir possíveis explicações sobre o tema escolhido, assim como fazia Fridra Kahlo. E o fio de linha que sai da gola tem o significado de “tecer” outra leitura, uma obra inacabada como foi a de Cranach.
E como podemos ler neste inacabamento! Além da própria
arte renascentista, uma narrativa, histórica em seus fatos e datas, diversas
possibilidades em outras linguagens, em desafios constantes.
Assim, continuei
minhas pesquisas. A moça do retrato era a princesa Elisabeth (coincidência,
mesmo nome meu!) da Saxônia (1552-1590) nascida no castelo de Wolkenstein numa Alemanha agrária e feudal, de linhagem nobre e
atuante. Seu pai era príncipe Eleitor da Saxônia, Augusto, e sua mãe era filha do rei da Dinamarca.
Elisabeth se casou em 1570, com 18 anos,
e teve 6 filhos. Seu pai se
opunha à política do genro, Johann Casimir, um calvinista e amigo da França,
mesmo que este, mais tarde, tenha se
convertido como luterano. Entretanto, os católicos na Alemanha viram neste
casamento uma provocação contra a dinastia Habsburg e uma tentativa de formar
uma frente protestante. O marido de Elisabeth tentou quebrar a oposição
religiosa à sua esposa luterana, mas o que se sabe é que, em outubro de 1585,
ela foi presa e acusada de adultério e de tentativa de assassinato contra seu
marido. Até mesmo seu irmão estava
convencido de sua culpa. Ainda no cativeiro ela se converteu ao calvinismo, mas
morreu antes de completar 38 anos. Como se vê, minha princesa é um exemplo
típico do jogo do poder, monarquias, dinastias, facções religiosas.
Ambos foram pintores da corte dos Eleitores da Saxônia durante a maior parte de sua carreira, abraçando
a causa protestante, tornando-se amigos de Martinho Lutero. Protegidos da
aristocracia, ocuparam postos na administração do conselho municipal de
Wittenberg. Sem dúvidas, a proteção dos príncipes da Saxônia lhes assegurou
prosperidade e poder.
Portanto, este trabalho, além de minha pintura, conta
uma travessia e uma aprendizagem. Não só de técnicas de pintura, mas de como
nossos olhares do século XXI ainda se servem da tradição para nela fazer uma
releitura. Ainda que meu trabalho venha a carecer de qualidade artística ou de
uma releitura diferente para estes tempos fragmentados da pós-modernidade, fica
o prazer também lúdico de nela entendermos a história e a cultura, um caminho
de muitas interações.