"Adoração dos magos” do pintor Perugino (1450-1523)
6 de janeiro: no Brasil temos o dia de
Reis, o Reisado de tantas tradições populares, ainda presente nos rincões de
nosso país, ou na Ilha do Massangano de Petrolina, com especial significado.
“Oh
de casa, nobre gente, escutai o que eu direis, na partida do Oriente, a chegada
dos três reis...”
“O Reisado mede os janeiros”, afirma Dona
Amélia, já que a comemoração se estende na visita às casas da ilha, no samba de
roda e toda sua inesquecível e brincante alegoria.
Final do ciclo dos festejos natalinos,
a visita dos três reis magos trazendo presentes ao menino Jesus, que nascera
exilado, é comemorada em múltiplas variações, da magia à fé em energias e
bênçãos. De acordo com o calendário litúrgico da Igreja Católica, a epifania está
diretamente relacionada a uma manifestação divina.
Folia de Reis (alegoria em arte bordada do
Brasil)
Etimologicamente,
este termo se originou a partir do grego epiphanéia, podendo ser traduzido
literalmente como “manifestação” ou “aparição”.
A palavra
“mago” era empregada para “sábio”, especialmente aos sacerdotes da Caldeia que
foram os primeiros a estudar a astronomia no mundo. Como não perceber esta
relação ou ocultar o aspecto mágico do nascimento de Jesus, da estrela guia?
Na Itália,
onde me encontro neste janeiro, toca-me a comemoração deste feriado em grande
estilo. No Brasil dizemos que o ano só começa após o carnaval; aqui há um
equivalente: L’Epifania tutte le
feste porta via (A Epifania leva embora todas as festas).
Assim, a epifania é também a festa da
Befana, uma bruxa boa, que visita as casas onde têm crianças, com sua vassoura
mágica, para colocar doces nas meias dos bons meninos e carvão nas meias dos
maus... Haja comportamento!!! E cada vez mais esta festa, alicerçada pela
mídia, vai sendo substituída pelos presentes natalinos.
Percebe-se que o nome Befana é também
ele uma corruptela de Epifania, agora uma mágica aparição, uma mulher, uma
bruxa, e não mais um rei do Oriente.
Como quase
todas as festas populares de origem religiosa, as origens da lenda da Epifania
são pagãs. Nos tempos antigos, os romanos acreditavam que no prazo de 12 dias
após o solstício de inverno seria celebrado a morte e renascimento da Mãe
Natureza. Assim, doze figuras femininas lideradas por Diana, a deusa da lua e
da vegetação, voariam sobre os campos para torná-los férteis.
Obviamente,
a Igreja condenou essas crenças como influências diabólicas e do mal. E através
de misturas das religiões ao longo dos séculos na Idade Média, chegou-se à
Befana de hoje, uma velhinha mais próxima à imagem de uma bruxa boa. Este
aspecto da idosa pode também sugerir uma representação do “ano passado” e das
boas novas anunciadas pelo nascimento de uma criança.
Pesquisando,
achei também outras versões da lenda da Befana: argumenta-se que nasceu de um
festival romano ligado à troca de presentes. Outros acreditam que está
relacionado com as deusas mitológicas germânicas da natureza invernal.
Na versão
“católica”, a lenda nasce com a história dos Reis Magos que durante a sua
viagem a Belém para conhecer o menino Jesus e doar os presentes, eles se perdem
na estrada e encontram uma senhora idosa que os ajuda, porém não quer acompanhá-los.
Depois, essa senhora sentiu remorsos e decide também levar um presente a Jesus. Não encontrando
os Magos e nem a manjedoura, decidiu parar em todas as casas para dar doces a
todas as crianças.
Aqui em
Roma, dando uma volta na Piazza Navona, no formigueiro humano em que se
transformou o turismo de massa (ainda mais que no inverno, todo mundo está
coberto da cabeça aos pés, predominando o tom escuro), observei um parquinho de
diversões limitado a alguns estandes de tiro ao alvo, pescarias, com muitas
bruxas bonecas, maçãs do amor, doces vários e um belíssimo carrossel. O show de
marionetes seria mais tarde e achei melhor ir embora...
Comprei esta
simpática Befana como lembrança deste dia. Também no mercadinho, perto de casa,
havia vários expositores com “meias” recheadas de doces de diferentes marcas
para se comprar e substituir a befana em seus presentes. Doce ou carvão...
Mas o melhor
ficou para a noite. Meu simpático genro alugou um carro e, após um grande
congestionamento nesta Roma capital, fomos ver um concerto de canções populares
italianas e gregas no Auditorium Santa Cecília. “Come in cielo così in strada”
Assim no céu como na terra...
Cantos de
Natal na tradição popular de várias regiões italianas, também da Grécia, onde o
sentido da epifania foi ressaltado, da magia iluminada da visita ao menino
Jesus. Sanfonas insólitas, dança grega, muitos cantos... Solistas e coral... O
que mais me encantou foi o Pater Noster em bizantino.
Enfim,
aprendi uma grande lição... o respeito à epifania cristã, uma fé ultimamente
bastante abalada. Como este momento ainda pode gerar belas manifestações e
tocar nossos sentimentos.
Há muitas
outras maneiras de se celebrar o 6 de janeiro, seja no sentido religioso ou
profano, ou nesta mescla admirável da cultura que nos mostra a nossa humanidade
em evolução e aprendizado.
Perceber
sobretudo como tradições se cruzam em espaços e momentos, através dos tempos,
oceanos e ares... uma dinâmica em constante movimento e significados.
“Assim na
terra, como no céu.”
(Uma pequena
amostra do concerto)
Roma,
Itália, 7 de janeiro de 2020