Como
adjetivamos uma pessoa?
Rotulamos em
geral com prejulgamentos, estereótipos, manipulação... para o bem e para o mal.
Convivemos diariamente com este tipo de discurso, alicerçado tanto pelo entorno
ideológico, pela mídia insana, como pelo que assumimos individualmente.
Ignorantes ou alienados, acomodados no senso comum, acredito que uma boa dose
de reflexão pode ajudar, se tivermos em conta que tudo é relativo e que é
preciso pesquisar, procurar no conhecimento algo mais que o mero impressionismo
ou a falsa interpretação.
Então, como
adjetivar Zé Dirceu??? Ele que esteve aqui em Petrolina dia 19, falou e lançou
seu livro Zé Dirceu: Memórias
(São Paulo: Geração Editorial, 2018, v. 1) é a referência. Uma de
minhas filhas comentou “...sempre achei Dirceu uma figura obscura.” Essa
opinião acendeu o mote para minhas conjeturas. Não há dúvidas de que, neste
momento de barbárie em que vivemos, Zé Dirceu tenta clarear seu percurso
histórico. Não faltam expectativas no ar...
Pela visita
do homem agora com 73 anos – nascemos no mesmo ano – também ativei minhas memórias dos
tempos de estudante na USP, quando participei das lutas estudantis contra a
ditadura militar instalada em nosso belo país de tantas desigualdades. E que
perduram...
Nas
assembleias, Zé Dirceu era um dos líderes sem dúvidas. Havia muitos deles,
muita desconfiança, mas o objetivo comum nos unia. O livro de Zé me fez
recordar de sua atuação e de outros companheiros, dos embates dos partidos
comunistas, das greves, das passeatas, das perseguições, do medo das torturas e
da esperança de mudar a história.
Acompanhar essa narrativa é uma maneira de compreender aquilo que ficou
conhecido como “anos de chumbo”. E que alguns ainda têm a ousadia de contestar.
Evidente que
o livro vai além destes inícios da juventude, detalhando fatos e atuação
política no decorrer dos anos 70 até hoje. Não vou querer justificar
atitudes, erros e acertos. É o hoje que me mobiliza, no discurso e na prática.
Já na orelha
do livro de Zé Dirceu, seu editor, abaixo da chamada “72 anos de som e fúria”,
o adjetiva: “personagem épico e controvertido”, “Tanto se escreveu sobre José
Dirceu que ele se tornou uma espécie de lenda. Para muitos, um herói; para
militantes do PT e de grupos de esquerda, o “comandante”; para o procurador da
República que, sem provas, apenas com “convicções”, pediu sua condenação, um
“chefe de quadrilha”; para os juízes que o condenaram em primeira e segunda
instância, culpado por crimes que nem sequer conseguiram definir com clareza.”
No livro A
VERDADE VENCERÁ O povo sabe por que me condenam/Luiz Inácio Lula da Silva [et
al]; organização Ivana Jinkings – 1. Ed. – São Paulo: Boitempo, 2018, o ex-presidente assim se
refere a Zé Dirceu, quando questionado sobre a trama do Mensalão. “Eu acho que
o José Dirceu é um guerreiro. Acho que, às vezes, ele não cuida da própria
imagem. Mas é um homem de muita dignidade e é um companheiro que soube
enfrentar de cabeça erguida todo esse processo que está sofrendo.” (página 80).
O recado
dele, que ficou muito claro para mim, neste momento, ao final de sua fala no
Café Filosófico, foi “radicalizar a democracia”. Não foi isso o que ele sempre
fez? Parece contraditório ao protótipo conceitual de democracia, mas há uma
farsa em andamento, sob os auspícios de um presidente eleito. Não dá para
desenvolver opiniões sobre este fato, tantas são, mas no ponto em que chegamos,
de militarização crescente e o protagonismo evangélico de cunho fanático, sim,
precisamos radicalizar a democracia.
Foto de Chico Egídio. Zé Dirceu e eu, no Café de Bule em Petrolina.
Não temos
receitas fáceis, nem Dirceu as deu. Mobilização em todas as frentes, indispensável
e urgente. Entendo que estratégias e procedimentos serão construídos cotidianamente.
Sem esmorecer, sem apatia. Gostei, por exemplo, quando ele deu uma referência
que eu, feminista histórica nestas margens, passo a cogitar. Assim como as
“avós” argentinas da Praça de Maio lutaram contra ditadura, temos as “mães” do
Bolsa Família... Sim, no desmonte atual deste programa exemplar, mais que um
protesto, uma conscientização dessas mães certamente faria diferença no
contexto de exclusão social e da pobreza “em vertigem”.
Como se
organizar então para o embate político de novas eleições neste ano de 2020?
Responde
pela regra geral o Zé Dirceu: “(com)...novas formas de luta e de organização
... é preciso ir ao povo trabalhador e organizar sua luta social e política.
Responder à radicalização da direita com luta política e social e um programa,
como eles fazem, que vá à raiz da questão nacional, democrática e social.” E
essa “retomada da luta política e social e do fracasso político e eleitoral da
direita, que, para vencer, tem que banir Lula e o PT da vida política e social,
o que não conseguiram e não conseguirão.” (página 466)
Não existe
somente o PT como partido político de esquerda, mas o que ele representou para
a história do Brasil e o que realizou econômica e socialmente, não pode ser
desmontado como está sendo feito por este governo de extrema direita, de cunho
militarista, atrelado aos interesses norte-americanos e ao neoliberalismo
nitidamente fascista.
Questionamentos
feitos, compartilho compromissos de quem sabe – ou saberá – se posicionar. Como adjetivamos a nós mesmos???
Petrolina,
23 de fevereiro de 2020