A Oficina do Artesão Mestre Quincas em Petrolina, neste
janeiro de 23, me surpreendeu positivamente. Fiquei sabendo que a Oficina passou por uma
reforma, em 2022, feita pela Prefeitura de Petrolina. Realmente, pude constatar
mais espaço, seja para os artistas e artesãos, seja para os visitantes. Dentre
as obras realizadas, foram requalificados cinco ateliês temáticos, madeira,
pedra, barro, esculturas e tecidos, com grande variedade de produtos. Já se
ressaltou que não há lugar em Pernambuco que concentre tantos artesãos em
atividade e tantos estilos diferentes.
Além do espaço para exposição e vendas, é muito interessante
observar artesãos trabalhando, principalmente com a madeira, esculpindo quase sempre
carrancas, um ícone simbólico da região, e o produto mais vendável. Notei que até o espaço no “quintal” da oficina
estava organizado, visto que serve de entrada da madeira bruta para o trabalho
dos artesãos escultores.
A Oficina tem o nome de Mestre Quincas. Somente pesquisando,
no portal que se abre via web, fico sabendo que Mestre Quincas foi o apelido de
Joaquim Correia Lima, considerado o primeiro artesão de Petrolina. Nasceu em
1895 na cidade vizinha de Juazeiro da Bahia e morreu aos quarenta anos afogado
no Rio São Francisco. Frequentou a Escola de Belas Artes de Salvador e
destacou-se em Petrolina quando foi chefe de pintura da Leste Brasileira e
executou trabalhos importantes na Estação Ferroviária de Petrolina e em outros
locais da cidade.
Teria algum registro de seus trabalhos? Nada encontrei, mas
seria promissor para a história da cidade e da própria oficina pesquisar. De
todo modo fico a imaginar de quem partiu a ideia para homenagear este Mestre
que, numa oficina de artesãos dominantemente de gente que “aprendeu fazendo”, autodidatas,
ele frequentou Escola de Belas Artes, tinha um emprego oficial e foi “chefe de
pintura”. Portanto, uma pessoa com formação escolar e artística diferenciada.
Faço essa observação, porque conheço somente dois artesãos (inclusive
a única mulher) que frequentam a Oficina e dela fazem parte que cursaram, ou
cursam, Artes Visuais na Univasf – Universidade Federal do Vale do São
Francisco – curso relativamente novo na região. E também faço alguns
questionamentos.
Qual a diferença entre o artesão e o artista? Quando alguém
é considerado Mestre? Há um significado especial nesta palavra. O Mestre não é
apenas um professor, mas, na hierarquia do saber conseguido, um grau elevado em
seu mister. Mister de mistério, de segredos do ofício... Categorias que
remontam à época medieval, ressignificadas e discutidas ainda nos dias de hoje.
Sobretudo na forma de um trabalho artesanal que teve continuidade na tradição
popular.
Para quem se interessa por este assunto, recomendo o livro
de Antonio Santoni Rugiu “Nostalgia do Mestre Artesão” (Campinas, SP:
Editora Autores Associados, 1998). O artesanato que, historicamente, acabou por
sucumbir sob o domínio da manufatura e da produção industrial generalizada, ainda
sobrevive e exerce seu fascínio na simbologia de que se impregnam suas formas
exteriores, memo despidas de seu conteúdo originário.
De certa forma abordei esse tema num trabalho meu “Carrancas
do sertão: signos de ontem e de hoje” (Petrolina: SESC, 2006), focado no artesanato
das carrancas, originariamente nas proas das barcas do rio São Francisco e sua
evolução até o modelo das “carrancas vampiro”, esculpidas em série, completamente
diferentes das que lhe deram origem e justificativa.
Por outro lado, cito uma publicação “Carina, isso não é
coisa de mulher”, catálogo da exposição individual de esculturas de Carina
Lacerda com curadoria de Flora Assumpção. (Flora Assumpção, Carina Lacerda:
organização: Flora Romanelli Assumpção – Juazeiro/Ba: Univasf 2021.) A
exposição foi realizada no SESC Petrolina, na Galeria de Artes Ana das
Carrancas. Ressalte-se que Ana das Carrancas (1923-2008), a dama do barro, como
ficou conhecida, era uma artesã que começou como “loiceira”, vendendo nas
feiras livres de Petrolina, até que, premida pela necessidade de sobrevivência,
teve uma espécie de iluminação e passou a modelar carrancas em barro, com um
estilo próprio, marcadas pelos olhos vazados em homenagem ao marido cego. Seu
trabalho foi aos poucos sendo reconhecido como arte e ela recebeu várias homenagens
na cidade, no estado e no país. Mas Dona Ana nunca trabalhou na Oficina do
Artesão, somente em sua casa, até ganhar moradia e local de trabalho com o
nome, esse sim, de Centro de Artes Ana das Carrancas, hoje sob a
responsabilidade de suas filhas.
No Catálogo, o depoimento de Carina Lacerda, datado de maio
de 2020: “Em 2005 decidi me dedicar profissionalmente à arte de fazer
esculturas em madeira. Como não havia escolas de arte na região, decidi
procurar um espaço da cidade conhecido por Centro de Artes Mestre Quincas,
localizado na Vila Eduardo, em Petrolina-PE.” Hoje, Carina tem um trabalho
reconhecido, especialmente marcado por suas carrancas de peito, uma afirmação
de gênero, tanto na escultura, como em sua vida militante.
Mas o que também me chama a atenção é o fato de ela ter
colocado “Centro de Artes Mestre Quincas” e não Oficina do Artesão. Centro de
artes carrega um significado completamente diferente de uma oficina de Artesanato.
Acredito que haja a possibilidade de um diálogo entre essa nomenclatura e os objetivos
daquele espaço. Quem são artistas? Quem são artesãos? Quem são mestres? Aprendizes
de artes e ofícios? Como caracterizar diferenças e semelhanças?
Este artigo não tem a intenção de fazer um levantamento dos
artesãos, dos produtos ali comercializados ou dar respostas a tantos questionamentos.
Acredito que, além da curiosidade e do insólito desta Oficina, há muita possibilidade
de trabalho – não só para os artistas – mas também para os estudantes e
pesquisadores da região, em diversos níveis e cursos; fica o desafio.
As fotos a seguir são de autoria de Lucas do Val, tiradas em
6 de janeiro de 2023. Sem identificar e sem legendas, apenas oferecer uma
amostragem da Oficina neste janeiro.
Visite a Oficina você
também, vale seu olhar...
Referência:
https://depetrolinaparaomundo.com.br/conhecendo-a-oficina-do-mestre-quincas-em-petrolina/
da turismóloga Tais Farias
http://www.portalturismobrasil.com.br/atracao/6470/Oficina-do-Artesao-Mestre-Quincas