Há algum tempo que sou colunista do Portal Interpoética, a convite de Cida Pedrosa e Sennor Ramos. Muito agradeço este convite, o que pude colaborar. Participei com 22 textos, quase duas dúzias de considerações, reflexões... Vou colocar alguns destes textos neste blog, até porque o Portal se fecha... A dinâmica dos tempos, dos suportes, dos veículos transforma nossos dias. . Então, reaproveito escritos e dinamizo leituras neste novo abrir possível.
SERTÕES E MARES: ENCONTROS E DESENCONTROS
Elisabet Gonçalves Moreira
Neste sertão ribeirinho, às margens do Velho Chico,
mundão pós-moderno pois conectado está, recebi um convite desafiador para uma
justificativa de bom alvitre. “O Interpoética
em 2015 está completando 10 anos de existência e luta. Comemorando a data, teremos um espaço dentro da Bienal
Internacional do Livro de Pernambuco chamado Interpoética convida.”
Participar
de uma mesa com Jomard Muniz de Britto, com a interrogação: Sertões e mares: qual a estética do
pós-moderno? Acompanhada de uma afirmação, talvez direcionamento: A ideia é discutir as várias formas de
expressão na arte (algumas tentativas esquisitas, outras impactantes).
Claro que
aceitei, mesmo sem ser especialista em geografias e tentativas de expressão. Jomard,
a quem muito admiro por sua poesia e sua postura, sabe bem dessas manhas. Mas o
contraste, ele, um iconoclasta, ao lado de uma professora com sua didática bem
certinha, o que seria esperado? Talvez assim, como mares e sertões em
dicotomia.
Uma
bienal, já anunciada como pobrezinha neste 2015. Mas não me importei com isso
e, sim, comecei a pensar, ruminar o tema, o desafio, a honra deste convite. Tão
pobre bienal que lá vem a notícia que esta mesa seria cancelada por falta de
recursos.
Desculpas
aceitas, o que se há de fazer? Sim, uma coluna para o Portal Interpoética,
transformando talvez “limões em limonada” como Raimundo de Moraes me
incentivou. Aqui apenas um monólogo no final de contas, parcos comentários introdutórios
para um assunto nada fácil, por isso o título, vagando entre encontros e...
desencontros.
O foco
está no paradoxo criado na nossa história: sertões e mares (tantos há de cada
um) em geografias, limites e simbologia. Por isto, há encontros e desencontros,
aproximações e embates. Além dos estereótipos, do senso comum, o desafio já
navega no plural.
Diversidade, pluralidade que nos ajuda a pensar em concretizações. Especificando a arte, uma ou muitas estéticas que dialogam no espaço dos signos e representações de nossa cultura. Nela, nossos olhares se tornam vesgos muitas vezes.
Se pensarmos na estética do pós-moderno, muito há a se divagar, a citar... mas isso não é artigo para academia. Mas bem que poderia ser, se pensarmos na abrangência da questão e do direcionamento sugerido.
Salutar é
a queda das convenções como parâmetro de pós-modernidade, implicando em
redemocratização da arte, de seus espaços e possibilidades. E, embora passível
de críticas e desabonos, acompanhamos muitas tentativas.
Exemplo
recente tivemos em Petrolina. Dentro do Aldeia do Velho Chico, programação do
mês de agosto do SESC local, uma barca com uma mostra flutuante sobre as
carrancas subiu o rio São Francisco até a Ilha do Massangano, uma pequena
viagem de três horas.
Carrancas originais das antigas barcas ao lado de outras
representações contemporâneas destas mesmas carrancas estavam expostas numa
grande mesa, com algumas alegorias. Muitos convidados, artistas, música de
fundo, folder e até um vídeo faziam parte da mostra, regada com vinho destas
margens.
Transcendendo a expectativa sobre o exótico ou o folclórico na tradição da carranca, esta mostra flutuante demonstrou as possibilidades de reinvenção, onde a memória e a afetividade são repaginadas, como bem afirmou o múltiplo artista Thom Galiano. Novas leituras, uma inserção no tempo da arte, uma suspensão do cotidiano pelo inusitado.
Tempos líquidos e espaços tecnológicos. Desfazem-se
fronteiras e isso é muito bom. Inclusive a presença do espectador para o
usufruto e diálogos com a arte, além das elites. Pelo menos parece existir uma
boa vontade na política de facilitação do acesso às artes. Concordo, plateia se
forma – dentre outras coisas – com sensação de pertinência ao espaço. Só assim,
não há dia de calor, chuva ou frio para conseguir público e interação.
Daí termos uma maior insistência no uso
dos espaços públicos para além dos palanques e palcos. Tentativas de expressão
que não passam indiferentes. Danças, teatro, grafites e outras expressões fazem
e se refazem. A cidade, o centro e a periferia se tornam demonstrativos desta
nova acessibilidade. Mas que é uma luta aguerrida não temos dúvidas. Neste
sertão, agora individualizado, acompanhamos mais dificuldades do que políticas
públicas eficazes além do conservadorismo rançoso que ainda persiste.
A pós-modernidade aceita praticamente todas as manifestações
do imaginário humano, o que a torna mais difícil de ser caracterizada, já que
nela está a descaracterização da linearidade e da lógica. Uma entropia
implícita que ainda assusta neste século XXI. Atravessando sertões e mares,
como chegaremos ao fim do século?
Perguntas sem respostas, apenas
acompanhando o processo, pois é nele que está a dinâmica da crítica. Signos que
se relativizam em experiências que aguardamos cada vez mais impactantes, pois a
realidade é ainda um tropeço, mesmo em tempos pós-modernos.
Finalizando, uma lembrança me vem à tona, nesta
estrofe que remete a outras simbologias -
também reflexões - quando volto
ao título desafiador de uma mesa que poderia ter sido, entre sertões e mares.
“Tá
contada a minha estória,
Verdade, imaginação.
Espero que o sinhô tenha tirado uma lição:
Que assim mal dividido
Esse mundo anda errado,
Que a terra é do homem,
Não é de Deus nem do Diabo!”
Verdade, imaginação.
Espero que o sinhô tenha tirado uma lição:
Que assim mal dividido
Esse mundo anda errado,
Que a terra é do homem,
Não é de Deus nem do Diabo!”
Glauber
Rocha e Sérgio Ricardo Perseguição - Sertão
vai virar mar (da trilha sonora do filme Deus e o Diabo
na Terra do Sol)
Petrolina,
15 de setembro de 2015.
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