“O
Samba é Fogo”:
O povo e a força do
Samba de Véio da Ilha do Massangano
Márcia
Nóbrega
(Rio: Papeis Selvagens; SESC, 2017,
página 80)
Que livro é esse?
Livro que não arde, mas cuja leitura pode
incendiar, como o samba, com seu povo e sua força...
“O que importa é que a brincadeira é
a arte de proporcionar encontros, seja ele entre pessoas entre si, coisas ou
espíritos. Através dele passam intensidades – seja a força ou seja o fogo – que
comporão agenciamentos que, longe de levar à produção de um sujeito unificado,
compõe sujeitos múltiplos.” (página 80)
Só mesmo uma
observadora de olhar sensível e apurado para narrar possibilidades de significados e nos oferecer
uma travessia e um porto para ancoragem de entendimento, se isso for desejo.
Não há
dúvidas, Márcia Nóbrega, neste livro, que já foi dissertação
de mestrado, defendida em 2010 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal Fluminense, nos revela como o fogo e as águas circulam na Ilha do
Massangano. E, por isso, este livro é
fundamental para entendermos o samba de veio e o jogo de relações que o
identificam. Sempre vi, neste trabalho de Márcia, uma fundamentação consistente
e original para nos mostrar como aquele povo da ilha é e está em seu viver e
sentir, tendo como mote o samba ali acontecendo.
Que fogo é esse que dá voz e força a
um povo cercado de água por todos os lados?
(Foto de Lizandra Martins)
As lições
que o livro nos passa mostram que, mesmo em terra firme, podemos ainda aprender
com esse modo de viver e sentir, de relações entre o mundo natural e o
sobrenatural, de antinomias e de constantes reinvenções onde o princípio básico
é mostrar a vida (e a morte) em encontros e intensidades.
Para isso
servem as festas, outras tantas que na ilha há, servem também orações e penitências,
servem suas práticas em procedimentos e processos, serve o samba.
Um samba que
carrega hoje uma característica: “samba de veio”, quando saiu da ilha e se
tornou espetáculo em palcos da cidade, pois na Ilha ele é apenas samba, sem
figurinos e chapéus de palha. É dos “janeiros”, de “reis”, pedindo licença para
entrar. E, em sua intensidade, esse fogo que nele habita e que nele se faz
necessário, desde afinar o couro dos tamboretes, esquentar o corpo na cachaça
até incendiar emoções.
Canções,
vozes, batidas, palmas, umbigadas, balanço, ritmo, muito além do
entretenimento, parte intrínseca da vida, do cotidiano e de um modo de ser neste
mundo, microcosmo numa ilha, de gente, de parentes que se fazem povo em suas variadas
designações. Nomes e desígnios, destinos que se cruzam e se fundem...
Uma ilha de
nome Massangano, de raiz africana, mistura-se no samba com os caboclos, vibram
canções vindas do litoral e de outros portos, neste vaivém das águas e dos
séculos... Márcia cria adjetivos, dá gênero ao nome, desaguando tudo numa “existência massangana”. E é aí que seu
trabalho de observadora e estudiosa se justifica.
Não dá para
sintetizar em apresentações ou artigos o que seja esta existência, talvez
pontuar detalhes e características no geral. A palavra tradição praticamente
não existe no trabalho de Márcia, pois é no presente dinâmico de cada rodada de
samba, sua motivação e encadeamento que o samba de veio da Ilha do Massangano
se faz e se refaz no fogo simbólico que “esquenta” a própria vida.
Sem
estereótipos ou exotismo, Márcia capta e analisa sabiamente esta realidade, a
do cotidiano, do dia-a-dia em sua luta pela sobrevivência, marcada por uma
alegria de ser, de saber como ela nos diz, “de nunca estar sozinho”, existindo
pelas forças atávicas em sintonia, seja no terreiro, seja na festa...
Quem precisa ler o livro de Márcia? Quem
quer ler o livro de Márcia?
Então é esta
uma apresentação, um lançamento, um convite à leitura, ao conhecimento do que
vale a pena, com momentos de intensa linguagem poética, nos transes de
observação do que é a vida em sua dinâmica. Não só do samba de veio ou do povo
da ilha, mas poder também extrapolar para outros olhares, metodologias e
informações.
Márcia
Nóbrega soube vivenciar os mistérios desta ilha e escrever para que nós outros
saibamos que esse fogo é também a força de um povo... sabemos dele? Distanciados
pelas águas e o circuito urbano não podemos fingir que não sabemos o que o povo
da ilha pensa, sonha, dança, vive... Um “povo” que se estende para outros ilhados
ao nosso redor.
Flagrante no lançamento do livro em 23/4/17, na Ilha do Massangano. Dona Amélia, mestre do samba numa ponta e, na outra, Márcia Nóbrega. (Foto de Tatiana Devos Gentile)
Parabéns
querida Márcia, torci muito pela edição deste livro, assim como outros amigos
seus.
Que venham
outras complementações, já que, bem sabemos, tudo está em processo, e um olhar
dinâmico é fundamental... e você o tem. Assim como tem o dom de escrever bem.
Carinho,
Elisabet G.
Moreira
Abril de
2017
Elisa, que bom vc estar gostando da Antropologia. Eu nunca mais fui a mesma desde que cursei, em 1997, a primeira disciplina nessa área (Introdução à Antropologia). Vi ali que poderia não crescer, mas também que não voltaria ao antes. Tanto que, por ocasião do Mestrado, fiz mais duas disciplinas nessa área que é afim da Literatura: Antropologia da Religião e Sistemas Mitológicos. E o interesse só aumentou e continua. Este livro é aquela tese da qual que vc me mandou cópia? Lerei seu texto e volto.
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