A literatura policial, os modernos roteiristas de cinema e tv sabem disso. Aliás, nada de novo se lembrarmos de Poe, de Machado, de Horácio Quiroga (ah, "O almofadão de plumas") na narrativa tradicional.
Mas ainda quero escrever um conto como Tchekhov o fazia... na quebra dessa perspectiva...
Pois bem, o conto abaixo é ficção mas baseado num fato real que ouvi há tempos e nunca me saiu da memória: a mãe e o filho acompanhando aterrorizados o momento em que uma agulha seria espetada no coração... (quebrei o suspense?!)
Acompanhe a história.
O destino da agulha
Madalena
costurava e costurava...
Grávida de
um homem casado, precisava se amparar e amparar o fruto de seu ventre.
Concebido com muito pecado, todos apontavam-lhe o dedo da culpa.
Feia, solteirona, morando com a mãe idosa e doente, poucas alegrias tinham.
Concebido com muito pecado, todos apontavam-lhe o dedo da culpa.
Feia, solteirona, morando com a mãe idosa e doente, poucas alegrias tinham.
Os olhares
do senhor dono da bodega atiçaram-lhe desejos nunca adormecidos.
Deu-se com vontade numa noite de estreia.
Não houve reprise.
Deu-se com vontade numa noite de estreia.
Não houve reprise.
O barrigão
aumentava a cada dia. Inquieta com a possibilidade a chegar, comprou um berço e o colocou ao lado da máquina de costura. Servia para guardar tecidos das freguesas e até figurinos enquanto aguardava a hora.
A hora
chegou. Entregar um vestido para a madame que ia ser madrinha de casamento. Mas
o bebê também quis a luz.
Desnorteada, entre alinhavos e alfinetes, colocou o vestido no berço. E no chão da pequena sala onde trabalhava desde sempre, seu bebê nasceu. Madalena fez de tudo para não manchar o vestido, conseguiu aos trancos tirar o vestido e ali colocou a criança recém nascida.
Desnorteada, entre alinhavos e alfinetes, colocou o vestido no berço. E no chão da pequena sala onde trabalhava desde sempre, seu bebê nasceu. Madalena fez de tudo para não manchar o vestido, conseguiu aos trancos tirar o vestido e ali colocou a criança recém nascida.
Do resto
tomou de conta. Limpou, lavou, tudo como deve ser. E voltou à máquina de
costura.
Desde sempre, seus pés, mãos, tesouras, agulhas, linhas, tecidos, faziam parte de sua rotina.
Desde sempre, seus pés, mãos, tesouras, agulhas, linhas, tecidos, faziam parte de sua rotina.
O menino que nascera era bem feinho. Mas Madalena o achava lindo. Cantava para ele, sorria, às vezes até se atrasava com as entregas das
costuras, entregue ao sentimento prazeroso de sua maternidade, que lhe
preenchia, agora, a solidão desde sempre.
No entanto, o menino chorava muito, muito mesmo. Ainda no berço, ela viu um pequeno furo vermelho nas costas da criança, mas achou que
pudesse ser alguma picada de inseto.
Por mais que ela tratasse bem seu filhote, sempre limpinho, dando-lhe o leite necessário, essa criança chorava sem parar, como se uma dor terrível tivesse. Seria dor de ouvido, dor de dente, dor de cólica, tudo era aventado, remédio dado, benzeção e nada resolvido.
Por mais que ela tratasse bem seu filhote, sempre limpinho, dando-lhe o leite necessário, essa criança chorava sem parar, como se uma dor terrível tivesse. Seria dor de ouvido, dor de dente, dor de cólica, tudo era aventado, remédio dado, benzeção e nada resolvido.
De todo modo a criança foi crescendo. Ficou apático, um menino mirrado para a idade. Sentia dores, cada vez num lugar incerto. Chorava
muito, nem gostava de brincar, pois aquela dor não passava.
Madalena sentiu sua provação, sua culpa, máxima culpa. Pediu perdão, fez promessas, andou de joelhos na igreja, mas o menino realmente tinha
algo que ninguém sabia dizer.
O menino ficou moço. Aos 18 anos teve que se apresentar para
o serviço militar.
E aí descobriram. Exames médicos. Radiografia do pulmão.
E aí descobriram. Exames médicos. Radiografia do pulmão.
Bingo! Ali estava a causa: uma agulha de costura em seu peito. Impossível de ser extraída.
O terror se anunciava. Madalena se lembrou do vestido
inacabado no berço da criança.
Nesses anos todos, a agulha ficara instalada no corpo do pequeno. Alfinetando culpas e dores. Em circulação, entrou na corrente sanguínea sem
pedir licença. No balanço de sístoles e diástoles, estava se aproximando do
destino final de sua viagem.
Madalena e o filho puderam então acompanhar a morte
anunciada.
Dia após dia, poderia ser o dia.
Então chegou...
Dia após dia, poderia ser o dia.
Então chegou...
Caramba Net, adorei cada linha deste bordado mas confesso que fiquei com uma agulha no peito pela forma abrupta com que acabou...queria mais rs
ResponderExcluirQuerido JG, obrigada. Vc é muito especial. Esta semana lembrei de vc e da CLAE. Tenho um pequeno livro pronto para dar a luz, mas a costura ficou por aqui mesmo, numa gráfica rápida. A gente conversa mais...
ExcluirAbraço
Bet (Net...)
Bet* ( ao inferno com os corretores automáticos)
ResponderExcluirChegou o dia? Da morte, da cura?
ResponderExcluirFantástico final! Adorei, Bete!
Beijo no coração.
Obrigada desconhecido(a)...
Excluirai meu Deus quem me manda beijo no coração???
Gostaria que se identificasse. Aí mandaria um beijo no seu coração também...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCom uma agulha cravada no peito de modo abrupto o leitor também processa a via crucis da morte anunciada...Costura leituras, sentidos, esperas...Sem fôlego.
ResponderExcluirObrigada Auxiliadora por sua leitura sempre arguta... Respire!
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