Pelé nasceu em 1940, eu, essa que vos escreve, em 1946... A
glória do futebol começou aos 17 anos para ele, na primeira copa de vindouros
anos, na longínqua Suécia, no título e na marca inesquecível, do 5 a 2... Desde
meus 12 anos jamais esqueci a referência e a origem dessa glória. Eu, sim
senhor, que nunca me liguei muito em futebol...
Meu pai começou a torcer pelo Santos Futebol Clube, certamente
por causa de Pelé, como muitos outros brasileiros. Vitória após vitória em
décadas e a consagração de seu talento. Moramos algum tempo no Largo das
Perdizes, em São Paulo, relativamente próximo ao Estádio do Morumbi. Então, ele
não perdia um jogo do Santos e vibrava com as jogadas, dribles e gols de Pelé.
E ainda assistia pela TV reprises de jogos ou reportagens sobre o ídolo.
Éramos amigos, meu pai e eu, e ele gostava de minha
companhia, penso. Desde mocinha, no interior, me levava ao cinema, geralmente
às quartas-feiras, quando passava películas estrangeiras ou filmes antigos,
diferente dos bang-bangs e sucessos hollydianos dos finais de semana. Ele me
convidava também para ir ao estádio, mas eu, a essa altura, moça feita, com um
namorado “firme”, não aceitava. Irritada e enciumada, pois ambos iam
juntos, preferia ficar em casa.
Não foi esnobismo portanto, mas, por um bom tempo me
arrependi de ter perdido a oportunidade de ver o grande Pelé em campo, lugar
onde, realmente, nessa mania nostálgica de realeza, foi majestade... Mais tarde
tentei me justificar, pois o homem Edson Arantes teve atitudes bem diferentes
da nobreza idealizada, quando renegou sua filha fora do casamento, ou, quando
soube de outras ações bastante questionáveis, celebridade que se tornou. Inclusive
porque havia uma bifurcação de identidade, pois ele mesmo se referia a Pelé em
terceira pessoa e eu estranhava isso, mas criticamente não o absolvia... Hoje,
sou mais condescendente, entendendo melhor a ambiguidade da natureza humana.
Oriundo de família pobre, negro, sem maiores estudos, Pelé
encarnou o mito do jogador excepcional, bajulado pela imprensa e pela mídia que
só lhe salientavam qualidades, assegurando seu papel de destaque e sua ascensão vitoriosa por décadas, celebridade no mundo de celebridades. Inclusive, em algumas
reportagens especiais, salienta-se também o papel do filantropo humanitário, além
de sua naturalidade e trato cordial com pessoas das mais diversas camadas sociais. Um
ídolo, um ícone, um rei... diversos epítetos e exaltação de um ser humano invulgar.
Como já analisou o ensaísta Edgar Morin, sai de cena o herói
trágico dos mitos antigos e entra em seu lugar o herói amado, aquele que faz
parte da realidade com elementos de um ideal imaginário, estimulado pela
identificação do público em diversas instâncias, os modernos heróis
“olimpianos”. Modelos de vida, representam os mitos da autorrealização. Sim,
neste sentido, Pelé encarna este modelo. Reconhecidamente um talentoso jogador
de futebol, foi um campeão memorável neste clima competitivo dos espetáculos
midiáticos de jogos e campeonatos em série e da sustentabilidade da imagem de
um ídolo contemporâneo.
Porém, como mulher, aproveito destas digitadas linhas para
acrescentar que meus olhos se ar(regalavam) com aquele espetáculo - ainda que
televisivo - da masculinidade exalada no conjunto dos times de futebol... com
as pernas de fora, em tempos de shorts e não aqueles horrorosos calções de
hoje. Acho que, por isso, os jogadores atuais querem se projetar nos cortes de
cabelo, sobrancelhas e tatuagens...
Tenho também outra lembrança de Pelé, uma foto admirável,
mas que não encontrei nesta enciclopédica galeria google, nem lembro o autor ou
o veículo em que foi divulgada. Talvez alguns se recordem desta foto, Pelé no
vestiário, aquele corpo negro (sim, uma perfeição) coberto por uma contrastante
espuma branca. Talvez vejam alguma semelhança nesta foto... o jovem atleta
flagrado em seu banho. Vendo o ídolo pelo seu lado humano, como todos nós.
Para finalizar, algumas considerações sobre o Pelé
mitificado. Neste século XXI, a banalização do papel do mito em nossa cultura,
hoje midiática e consumista de ídolos descartáveis, me faz pensar no que Pelé
significa, a durabilidade de sua projeção, neste momento simbólico de sua
partida, no jogo inadiável da finitude humana.
Portanto, neste rol de homenagens e elegias para Pelé, o
atleta, vamos acompanhando o significado de um herói brasileiro que transmite
orgulho para seu público e que, sem dúvidas, marca a história futebolística
mundial.
Elisabet Gonçalves
Moreira
Petrolina, 30/12/2022
Nenhum comentário:
Postar um comentário