Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

sábado, 2 de setembro de 2023

MARCAS DE FERRAR - SISTEMAS DE SIGNOS EM LEITURAS (II)

 

Antes de iniciar mais um "capítulo" de minha pesquisa, vou dar uma dica (astuce, como dizem os franceses) "descoberta" ao acaso, nesses trabalhos de clicar teclados e páginas específicas. No caso, este meu blog, ativo desde novembro de 2015 (portanto, neste setembro de 23, 8 anos ! num total de 88 postagens !!) descobri que posso ver a listagem dessas publicações acessando "Tecnologia do Blogger" que fica no final da página do celular ou do computador. Daí é mais fácil localizar postagens específicas e abri-las. Não sei se você sabe disso ou se tem outra "astuce" para o procedimento...

     Na última postagem falei dos ferros de marcar com o símbolo da cruz suástica, usados aqui no Brasil, e anunciava a continuação desse estudo, registrando que até mesmo algumas etnias indígenas delas fizeram uso, como é o caso dos Guaicurus, indígenas cavaleiros do Mato Grosso do Sul e de seus remanescentes, os Kadiwéus, estudados por idôneos antropólogos. Desde o italiano Guido Boggiani (1861-1902), francês/belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e o brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997).Todos eles destacaram a estética de suas marcas, bem como seu uso em animais e objetos, como uma maneira de reconhecer uma propriedade individual.

    Vou retomar algumas informações das postagens Aventuras na Selva (Partes I e II), datadas de 26 de julho de 2022 e 29 de agosto de 2022, revendo olhares.

     O que me encanta nos desenhos desses insólitos ferros de marcar  é uma alusão figurativista impressionante aliada a uma geometria impecável. O próprio Boggiani reconheceu esta possível semelhança.[1]

  Para comparação, algumas marcas de ferrar dos Kadiwéu, redesenhadas por Boggiani, tendo observado ele que, sobre alguns objetos estão reunidas em quantidade, como se fossem caracteres de uma escrita.


     Analisando, em nota de rodapé, página 228 do livro citado em referência 1, Boggiani diz que a “marca do Capitãozinho é a primeira à esquerda, no alto; aquela que se segue é a da sua mulher.” Sem dúvidas, esse indivíduo era uma referência importante na aldeia, não só pelo nomeado título, mesmo no diminutivo, mas porque levantou diante de sua casa um “altíssimo mastro sobre o qual se hasteou uma bela bandeira branca com as insígnias do Capitãozinho. Esta insígnia não é mais que a marca que, a fogo, estampa nos animais de sua propriedade todo proprietário caduveo. É uma espécie de sigla de reconhecimento”.

   Destaco o casal, simbolizado nessas marcas, insígnias, siglas. Lembrando uma figura humana, a marca do homem tem detalhes simétricos e um x central, enquanto a marca da mulher se curva na haste principal, num desenho mais simples e apresentando hastes que lembram pernas e braços quase um movimento. Há um equilíbrio estético admirável nas proporções e na visualidade do formato.

Pelo inusitado, também transcrevo aqui a forma que os Caduveos (assim grafado por Boggiani) marcam seus animais.

“Os Caduveos não têm, para marcar os seus animais, marcas de ferro como são usadas em toda a América do Sul pelos Estancieiros; mas usam simples barras de ferro de cinco ou seis milímetros de espessura, ligeiramente encurvadas numa das extremidades, e com elas esquentadas ao fogo vão desenhando a mão livre as suas insígnias sobre o couro dos animais. É uma operação longa e difícil e especialmente fastidiosa para os pobres animais submetidos àquela tortura. Vi hoje mesmo o Capitãozinho marcar um potro de sua mulher por esse sistema. 

Primeiro usavam fazer as marcas muito grandes; agora, porém, aprenderam a não estragar o couro dos animais e reduziram os sinais a justas proporções.” (p. 228/229)

No estado do Texas, nos Estados Unidos, também pude observar o uso de ferros de marcar o gado na tradição dos cowboys. Hoje, como aqui, os novos ferros são de inox. O método tradicional de esquentar o ferro na brasa foi substituído por usos mais modernos, como o aquecimento a gás, aquecido por eletricidade ou, ainda, um ferro resfriado por gelo seco, outro tipo de marcação, por congelamento. Gado, cavalos, são comumente marcados hoje pela mesma razão que eram nos tempos antigos, para provar a propriedade.


Marcas de gado usadas no condado de Mitchell, no oeste do Texas, são exibidas em mural público.[2]   

O ritual da marcação do gado ou ferra aparece também em publicações, romances, HQs, filmes de faroeste, fazendo parte de um cenário bastante popular, como algo típico e singular, demonstrando a bravura dos cowboys, similaridade com nossos vaqueiros.

No Brasil, há até mesmo a cidade de nome "Pau-dos-ferros" no Rio Grande do Norte, desde o século XIX. O topônimo é referência às árvores que circundavam o rio Apodi, principalmente a oiticica que, pela sua grande dimensão, oferecia sombra e consequentemente um local para repouso dos vaqueiros que por ali passavam. Eles marcavam também seu ferro no tronco dessas árvores, a fim de permitir a identificação dos animais extraviados, dando origem inclusive ao povoamento da região, com pontos de comércio e venda de gado.

Na dinâmica das transformações históricas, o mundo moderno também foi adaptando os ferros de marcar a outros usos. Mas a finalidade sempre foi, em essência, uma marca indicando autoria ou procedência, espécie de carimbo para identificar também a origem de produtos variados, como arreios de couro, de extração de madeira e afins.

E associar o artista que se interessa em partir dessas referências visuais e desdobrar sentidos em criações contemporâneas. O Movimento Armorial, na esteira das criações de Ariano Suassuna, sem dúvidas, é a referência mais conhecida. As artes gráficas têm no design dos ferros, em seu formato e simbologia um parâmetro criativo. Já observei sanduíches e até sobremesas “ferrados” com o logotipo do estabelecimento, um aspecto mais particularizado com o produto.

Quando adquiri meu primeiro “fusquinha”, nos anos 70, o vendedor esclareceu o significado da marca. Com apenas duas letras – um V por cima de um W – rodeadas por um círculo, um logotipo inconfundível.

Em alemão “volks” (povo) e “wagen” (vagão, veículo), que significa carro do povo ou popular. E assim por diante, sabemos o quão importante para o mundo moderno são esses logotipos que caracterizam empresas, negócios e objetos de consumo em geral. Há um lado emocional agregado muitas vezes para caracterizar a fidelidade do cliente.

Nesse caso, até o apelido “fusquinha”, o v em f, transformou-se numa referência afetiva para o carro popular inconfundível, objeto de desejo da maioria dos brasileiros, numa época de instalação e desenvolvimento da indústria automotiva nacional.

Agora, um ferro de marcar contemporâneo, em aço inoxidável, que você pode encomendar e comprar pela internet. Sem dúvidas bem-acabado, prático.[3]

                                                   

 Dizem que a queimadura com este tipo de ferro é menos dolorosa para o animal. As iniciais no centro estão circundadas por uma alegoria emblemática, o Ouroboros, ainda que estilizada. Há vários significados para essa representação da serpente que engole o próprio rabo, presente em diferentes culturas e tendo interpretações distintas. A base do significado do Ouroboros consiste na ideia da criação eterna e contínua. Talvez seja essa a função do que nos respalda humanamente.



[1] BOGGIANI, Guido. Os Caduveos. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975,   p.229.


🔉Na próxima postagem, continuo a colocar mais aspectos pertinentes a essa pesquisa. Falarei especificamente do ritual da Ferração do gado em nosso país e seus registros oficiais, referências que alargam a visão sobre esse assunto... Acompanhando... Obrigada.


Um comentário:

  1. Muito boa a pesquisa. Signos, simbolismo, marcas. Algo que sempre vimos no cotidiano dos sertões , mas que pouco conhecemos. Fatos novos, descobrimentos e redescobrimentos. Um presente para todos.

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