O veado
alvejado e um ritual milenar
Elisabet Gonçalves Moreira
Figura 1: “O Veado ferido” ou “La
Venadita” de 1946, de Frida Khalo (Óleo sobre metal, 22,4 x 30 cm)
Figura 2: Print da “Dança do Veado” - Balé Folclórico do
México de Amália Hernandez
Figura 3: Apresentação da “Dança do Veado”, em San Carlos, Sonora, México.
Qual a relação que se estabelece entre estas três figuras? Muitas... e vou acrescentar mais uma.
Figura 4: Estátua de veado numa praça da Cidade do México, 2016 (foto de minha autoria)
Para a continuação desta série, fiquei pensando... procuras,
desafios, memórias, um caos que emerge em torvelinho. E sempre a correlação
memória e o instante mágico das conexões entre passado, presente e conjeturas.
O título é meu tema; as ilustrações corroboram leituras,
entre ditos e signos...
Que animal simbólico é este que perpassa todas as figuras? O
veado é um animal elegante, cheio de delicadeza e graça, símbolo de força,
virilidade, pureza e velocidade.
Este belo ser foi um
dos animais mais transcendentais para a cultura dos índios maias e iaquis,
desde tempos remotos. A Dança do Veado, verdadeiro ritual, também chamada
Mazoyiwua, é uma representação de sua atividade como caçadores durante
gerações. O simbolismo deste ritual é muito significativo. O vínculo do homem
em seu entorno geográfico e a veneração que faz da natureza como fonte de vida
e sustento, a Mãe Terra.
Um reporte
Há alguns anos, nos tempos do vídeo cassete, minha filha
Adriana me presenteou com o Balé Folclórico do México de Amalia Hernández.
Fiquei maravilhada com a performance e coreografia da dança do veado, sua caçada
e sua morte, nessa alegoria ancestral, pré-colombiana.
Consegui assistir a uma apresentação deste balé em 2016,
numa manhã de domingo de outubro, no Museu Nacional de Belas Artes na Cidade do
México. E me senti completa em poder ver, ao vivo, “La danza del venado”.
Com as possibilidades desta mídia e de seus acessos, coloco
aqui o link, para se ter uma ideia da magia do espetáculo.
Notas sobre “A dança do veado”
Balés, concursos..., mas ainda há apresentações
ritualísticas da dança do veado em ocasiões especiais. Encontrei sites que
detalham a dança e sua simbologia com poucas variantes. Tudo ali tem um
significado. Adereços, sons, cânticos, personagens, instrumentos.
Ademais, soube que há até concursos no interior do México
para se escolher a melhor performance do bailado na caça e na morte do veado.
Na dança participam como personagens o Veado e os Pascolas (os caçadores). Há algumas
variantes do figurino para a apresentação, mas a cabeça dissecada de um veado
sobre a cabeça do dançarino e um par de maracas agitadas constantemente durante
o ritual não deixam dúvidas da essência do protagonista. Os Pascolas são os caçadores à espreita da
caça, armados com arcos e flechas. Podem utilizar máscaras pintadas de preto,
de onde saem barbas e mechas. Todos portam guizos nas pernas e dançam
descalços.
Outra característica que reflete o caráter milenar da Dança
do Veado são os instrumentos usados. É o caso do tambor de barro ou madeira,
que emite sons muito peculiares, como a água e até o bater do coração do veado.
A música é complementada com cânticos em dialeto iaqui pelos músicos que acompanham
a apresentação.
Os diferentes momentos da dança fazem alusão à luta do veado
para defender sua vida das flechas do caçador. O espírito do animal é encarnado
pelo homem que baila sem cessar reproduzindo o andar do veado em sua fuga
desesperada, seus ferimentos, sua morte. É impressionante a atmosfera criada,
de veracidade e beleza
No final coloco alguns destes sites/referências que melhor
desenvolvem a simbologia da Dança do Veado.
Mais uma vez Frida Khalo
Relações e coincidências... quase num repente abri um livro que
adquiri de um sebo virtual de Buenos Aires e do qual reproduzo a capa onde
resplandece o nome de Frida Khalo e sua figura como um ícone de nosso tempo.
E, no folhear, lendo aqui e ali, vejo, à página 357 e 358, a
dedicatória escrita em versos, que Frida Khalo fez num guardanapo para ofertar
seu quadro, “O veado ferido”, reproduzido na Figura 1.
Frida Khalo havia saído de mais uma operação de sua coluna
vertebral em Nova Iorque, ano de 1946. De volta ao México, continuou sofrendo
dores não só físicas. E, mais uma vez, representou essa dor, que também nos
comove.
Atravessado por flechas e sangrando, o veado, com a cabeça
jovem de Frida, olha para o espectador dentro de um bosque, do qual não
consegue sair, mesmo que o céu representasse uma esperança de escape. À
esquerda do quadro, na parte inferior, aparece escrita a palavra “Carma”,
assinalando seu destino. Um destino que, em muitos autorretratos de Frida, ela
é incapaz de mudar.
Quase invariante em sua obra, o quadro tem muito da pintura
votiva, tradicional no ex-voto mexicano. Em 3 de março de 1946 Frida ofereceu
esta pintura para seus amigos Lina e Arcady Boyter como presente de casamento.
E, mais uma vez, fiel às tradições mexicanas, fez um corrido.
CORRIDO PARA A Y L
Mayo de 1946
Solito andaba el Venado
Rete triste y muy
herido
Hasta que em Arcady y
Lina
Encontro calor y nido
Cuando el Venado
regresse
Flerte, alegre y
aliviado
Las heridas que ahora
lleva
Todas se le habrán
borrado
Gracias niños de mi
vida,
Gracias por tanto
Consuelo
en el bosque del Venado
ya se está aclarando el
cielo
Coyoacán, viernes 3 de mayo de 1946
Ahí les dejo mi
retrato,
Pa´que me tengan
presente,
Todos los días y las
noches,
Que de ustedes yo me
ausente.
La tristeza se retrata
En todita mi pintura,
Pero así es mi
condición,
Ya no tengo compostura.
Sin embargo, la alegría
La llevo en mi corazón,
Sabendo que Arcady y
Lina
Me quieren tal como
soy.
Acepten este cuadrito
Pintado con mi ternura,
A cambio de su cariño
Y de su inmensa
dulzura.
Frida
O simbolismo do veado no México atual
A foto da Figura 4 ilustra a veneração a este animal mítico que
abrange tantos significados. Se Frida Khalo o pintou ferido, como ela, há
também uma canção bastante popular, de domínio público. Uma versão bem
conhecida e humorada deste tema é a que realizou a cantora mexicana Lila Downs.
Diz a letra:
El venadito
Sou un pobre venadito
Que habito en la cerranía
Como no soy tan mancito
No bajo al agua de día
De noche poco a poquito
Y a tus brazos vida mia
Ya tengo listo el nopal
Donde?de cortar la tuna
Ya tengo listo el nopal
Donde?de cortar la tuna
Como soy hombre formal
No me gusta tener una
Me gusta tener de a dos
Por si se me?noja alguna
Quisiera ser perla fina
De tus lucidos aretes
Quisiera ser perla fina
De tus lucidos aretes
Pa?besarte la orejita
Y morderte los cachetes
Quién te manda ser bonita
Si esto a mi me compromete
Que habito en la cerranía
Como no soy tan mancito
No bajo al agua de día
De noche poco a poquito
Y a tus brazos vida mia
Ya tengo listo el nopal
Donde?de cortar la tuna
Ya tengo listo el nopal
Donde?de cortar la tuna
Como soy hombre formal
No me gusta tener una
Me gusta tener de a dos
Por si se me?noja alguna
Quisiera ser perla fina
De tus lucidos aretes
Quisiera ser perla fina
De tus lucidos aretes
Pa?besarte la orejita
Y morderte los cachetes
Quién te manda ser bonita
Si esto a mi me compromete
Ya con esta me despido
Pero pronto doy la vuelta
Ya con esta me despido
Pero pronto doy la vuelta
No?más que me libre dios
De una niña mosca muerta
De esas que ay! Mamá por Dios!
Pero salen a la puerta
No soy coplero y me voy cantando
Ahí dejo mi chilena a la morena
Que estoy amando
Referências:
Muito legal Fessora, além do texto me atentei a seu cuidado quanto ao tema, fica implícito que é algo que te desperta um grande interesse, tenho cá também umas coisas pelas quais passo e me aficiono, gostei bastante das quadras de Frida e destaco: "Cuando el Venado regresse
ResponderExcluirFlerte, alegre y aliviado
Las heridas que ahora lleva
Todas se le habrán borrado"
Substitua "venado" por qualquer outro ser vivente (pensante) e temos aí uma coisa universal, muy guapo.
Data venia, envio pelo facebook mais uma imagem para seu pensameto colecionador.
Obrigada mais uma vez amigo. O olhar do poeta se detém sobre a linguagem... gostei, detalhe que não havia atinado para a interpretação de uma esperança...
Excluir