A jazz band da capa do livro de Cida Pedrosa, em
silêncio, nos faz viajar pelos caminhos da memória dela e de nossos encontros
na juventude de uma era... Era uma vez...
Ninguém dizia “jéz”, nessa aculturação linguística que nos
traiu no que poderia ter sido uma aproximação autêntica de origens simbólicas.
Jazz nesse a que ressoa, jaz o canto...
Bodocó, essa terra de vogal forte a que Drummond chamou a
atenção, nestas vastidões de um sertão mal conhecido, entre Orocó, Cabrobó e
índios cariris tapuias, negros, pardos, brancos mal assimilados, é uma
referência de poesia. Luiz Gonzaga cantou e ressoa...
“Quando eu vim do
sertão
Seu moço, do meu Bodocó
A malota era um saco
E o cadeado era um nó”
Cida relembra sua cidade como ela mesma, cores e canções. Nos
cafundó ou sob outros olhares na festa de casamento da filha do coronel Antônio
Bento, João do Valle também lembrou que “Neste dia, Bodocó faltou pouco pra
virar”... Sei que Maurício Ferreira relembra Ouricuri em suas crônicas de “meu
tipo inesquecível” mas é um amálgama que produz em mim, paulista do interior,
agora nestas margens do rio São Francisco, olhares que me reconduzem a origens
de um século que também se foi...
Cida Pedrosa, amiga que tanto aprecia um estandarte de São
João do carneirinho, que fiz há alguns anos (conseguiu reaver?!) me levou por
caminhos que ela percorreu, recordou, poetizou... E os dela me levaram a
perceber que temos em comum memórias, não de vialejos, mas de fatos e canções
em que o rádio era o veículo de mídia possível num tempo sem precipitações em
atropelos...
“o
coreto
o fox
dance
o salão
o palco
a banda
e a moça na janela
a banda
ensaiava no sobrado da praça
a praça
da independência frevia
a praça
rodava
a moça
rodopiava e ardia” (página 74)
Há
textos tão poéticos, numa linguagem mista de prosa, narrativas que associamos
também aos bêbados, mendigos que frequentavam nosso jardim, entrando pela
garagem, ou nos cantos daquelas vendinhas encardidas e mal vistas na saída da
cidade... quem não viu nem ouviu apagou da mente histórias como esta...
“sem
dentes e de beiços murchos como sonny
Boy
williamson ii ensaiava a gaita em noites de
lua
cheia para espantar os maus espíritos e a
maliconia
deixou o campo e foi perambular nos
becos da
cidade onde entoava benditos e de vez
em
quando aboiava com olhos perdidos perdeu a
mulher a
roupa passada a ferro e o instrumento
entregou-se
ao álcool e recebeu a alcunha de
belezinha
ao morrer nem se lembrava mais que
um dia
cantou para a moça da estrada boa noite
meu amor
de waldick soriano.”
(página 85)
Cida nos faz lembrar, mulheres em formação,
“sapato alto de verniz azul
vestido longo rosa choque com guipir na pala
perfume avon”
que
continua nesta iniciação “primeira festa sem primeiro amor”...
Eu é que
me lembro que dançar coladinho me fazia sentir uma pressa para ir ao banheiro, umidade
inquietante em depois olhar para os rapazes e um desejo de beijos ardentes,
como nos filmes em cinemascope...
Ah,
Cida, quantas memórias tecidas ao longo de nossas vidas, nestes primeiros
acordes em que acordamos para uma identidade possível, ser mulher.
“me
encontro e te encontro me encontro e te
encontro
me encontro e te encontro no som para
encontrar
com deus na esquina e o diabo na
encruzilhada”
(página
116)
Um
sertão “ser tão assim”... e só (um solo)
Muito
mais haveria a se dizer sobre “Solo para Vialejo”, de Cida Pedrosa, prêmio
Jabuti 2020, em que críticos paulistas viram o sertão e a solidão humanas nas
memórias desta irrequieta falante declamadora poeta feminista repentista
vereadora comunista batida pelas ondas do atlântico oceano no recife de um hoje
em que estamos ou somos o retrato de nossa migração, de nossas mestiçagens.
Fica aqui
meu restrito olhar sobre nós mulheres e o sertão de Cida que moldou seu cenário
de poeta e sensibilidades. A banda que resiste e subsiste pela poesia.
Vivendo
tempos pandêmicos de isolamento presencial, de focinheiras limitando nossa
respiração, mas abrindo o peito para demonstrações de carinho. Obrigada por
sempre ter me prestigiado, amada amiga, abraços destas margens do rio São
Francisco.
Elisabet Gonçalves Moreira, Petrolina, 4 de janeiro de 2021
(O livro "Solo para Vialejo", de Cida Pedrosa, está à venda no site da CEPE e na Amazon.com)
Mulheres em formação, em construção, desconstrução e caminhando. Beijo com carinho a Cida dos solos e das ruas e a Bet que mostra tanta coisa bonita.
ResponderExcluirObrigada Carlos Laerte, caminhamos...
ExcluirE, daqui, das margens do Capibaribe, meu querido rio, abraços para as duas (Bet e Cida) .
ResponderExcluirBom Dia!
Liliana
Obrigada Liliana, nestas margens do São Francisco, agradeço leituras e abraços.
ExcluirSeu texto desperta sentidos e pupilas, um convite para mergulhar no Solo para Vialejo,o sertão de Cida,a olhar para nós mulheres,a ouvir a banda que resiste e subsiste pela poesia.Daqui parto para o encontro.
ResponderExcluirQue bom pelo despertar/mergulhar/olhar/ouvir... a poesia nos encontra. Obrigada
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