Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

sábado, 27 de março de 2021

SOLO PARA VIALEJO: o que nele vejo

 

'Solo para vialejo', de Cida Pedrosa, é eleito livro do ano no Prêmio Jabuti — Foto: Divulgação/ Prêmio Jabuti

Pois é, a alegria de minha amiga Cida Pedrosa nesta bela foto, junto à motivadora capa de seu livro "Solo para Vialejo", editado pela CEPE, Companhia Editora de Pernambuco, Recife, 2019, também nos trouxe muito júbilo. Fiz esta crônica em janeiro de 2021 que divulguei no FB, mas, neste blog, creio que duplico e replico o registro. 

 Solo para Vialejo: o que nele vejo

 Vejo uma banda de um interior do nordeste que ainda subsiste, resiste.

A jazz band da capa do livro de Cida Pedrosa, em silêncio, nos faz viajar pelos caminhos da memória dela e de nossos encontros na juventude de uma era... Era uma vez...

Ninguém dizia “jéz”, nessa aculturação linguística que nos traiu no que poderia ter sido uma aproximação autêntica de origens simbólicas. Jazz nesse a que ressoa, jaz o canto...

Bodocó, essa terra de vogal forte a que Drummond chamou a atenção, nestas vastidões de um sertão mal conhecido, entre Orocó, Cabrobó e índios cariris tapuias, negros, pardos, brancos mal assimilados, é uma referência de poesia. Luiz Gonzaga cantou e ressoa...

 “Quando eu vim do sertão
Seu moço, do meu Bodocó
A malota era um saco
E o cadeado era um nó”

Cida relembra sua cidade como ela mesma, cores e canções. Nos cafundó ou sob outros olhares na festa de casamento da filha do coronel Antônio Bento, João do Valle também lembrou que “Neste dia, Bodocó faltou pouco pra virar”... Sei que Maurício Ferreira relembra Ouricuri em suas crônicas de “meu tipo inesquecível” mas é um amálgama que produz em mim, paulista do interior, agora nestas margens do rio São Francisco, olhares que me reconduzem a origens de um século que também se foi...

Cida Pedrosa, amiga que tanto aprecia um estandarte de São João do carneirinho, que fiz há alguns anos (conseguiu reaver?!) me levou por caminhos que ela percorreu, recordou, poetizou... E os dela me levaram a perceber que temos em comum memórias, não de vialejos, mas de fatos e canções em que o rádio era o veículo de mídia possível num tempo sem precipitações em atropelos...

“o coreto

o fox dance

o salão

o palco

a banda e a moça na janela

a banda ensaiava no sobrado da praça

a praça da independência frevia

a praça rodava

a moça rodopiava e ardia”       (página 74)

 

Há textos tão poéticos, numa linguagem mista de prosa, narrativas que associamos também aos bêbados, mendigos que frequentavam nosso jardim, entrando pela garagem, ou nos cantos daquelas vendinhas encardidas e mal vistas na saída da cidade... quem não viu nem ouviu apagou da mente histórias como esta...

 

“sem dentes e de beiços murchos como sonny

Boy williamson ii ensaiava a gaita em noites de

lua cheia para espantar os maus espíritos e a

maliconia deixou o campo e foi perambular nos

becos da cidade onde entoava benditos e de vez

em quando aboiava com olhos perdidos perdeu a

mulher a roupa passada a ferro e o instrumento

entregou-se ao álcool e recebeu a alcunha de

belezinha ao morrer nem se lembrava mais que

um dia cantou para a moça da estrada boa noite

meu amor de waldick soriano.”                                          (página 85)

 

Cida nos faz lembrar, mulheres em formação, 

“sapato alto de verniz azul

 vestido longo rosa choque com guipir na pala

 perfume avon”

que continua nesta iniciação “primeira festa sem primeiro amor”...

 

Eu é que me lembro que dançar coladinho me fazia sentir uma pressa para ir ao banheiro, umidade inquietante em depois olhar para os rapazes e um desejo de beijos ardentes, como nos filmes em cinemascope...

 

Ah, Cida, quantas memórias tecidas ao longo de nossas vidas, nestes primeiros acordes em que acordamos para uma identidade possível, ser mulher.

 

“me encontro e te encontro me encontro e te

encontro me encontro e te encontro no som para

encontrar com deus na esquina e o diabo na

encruzilhada”

                                                               (página 116)

 

Um sertão “ser tão assim”... e só (um solo)

 

Muito mais haveria a se dizer sobre “Solo para Vialejo”, de Cida Pedrosa, prêmio Jabuti 2020, em que críticos paulistas viram o sertão e a solidão humanas nas memórias desta irrequieta falante declamadora poeta feminista repentista vereadora comunista batida pelas ondas do atlântico oceano no recife de um hoje em que estamos ou somos o retrato de nossa migração, de nossas mestiçagens.

 

Fica aqui meu restrito olhar sobre nós mulheres e o sertão de Cida que moldou seu cenário de poeta e sensibilidades. A banda que resiste e subsiste pela poesia.

 

Vivendo tempos pandêmicos de isolamento presencial, de focinheiras limitando nossa respiração, mas abrindo o peito para demonstrações de carinho. Obrigada por sempre ter me prestigiado, amada amiga, abraços destas margens do rio São Francisco.

 

Elisabet Gonçalves Moreira, Petrolina, 4 de janeiro de 2021

(O livro "Solo para Vialejo", de Cida Pedrosa, está à venda no site da CEPE e na Amazon.com)

7 comentários:

  1. Mulheres em formação, em construção, desconstrução e caminhando. Beijo com carinho a Cida dos solos e das ruas e a Bet que mostra tanta coisa bonita.

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  2. E, daqui, das margens do Capibaribe, meu querido rio, abraços para as duas (Bet e Cida) .
    Bom Dia!
    Liliana

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    1. Obrigada Liliana, nestas margens do São Francisco, agradeço leituras e abraços.

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  3. Seu texto desperta sentidos e pupilas, um convite para mergulhar no Solo para Vialejo,o sertão de Cida,a olhar para nós mulheres,a ouvir a banda que resiste e subsiste pela poesia.Daqui parto para o encontro.

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    1. Que bom pelo despertar/mergulhar/olhar/ouvir... a poesia nos encontra. Obrigada

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