Recebi um convite para dar um depoimento em vídeo sobre Antônio Torres, escritor, que será entrevistado ao vivo em programa do professor Marcelo Batalha, dia 10 de maio de 21. O que mais me motivou a aceitar é que foi o próprio Antônio Torres quem me indicou para dar o depoimento, segundo o produtor do programa, que entrevista e divulga escritores.
Antes de gravar o vídeo, junto detalhes, leituras, fotos e
escrevo. Objetivo ampliado: publicar no meu blog; ativá-lo no último dia do mês
de abril e não falhar na postagem mensal.
Antônio Torres, esse baiano
nascido em 1940 no Junco, hoje cidade com o nome de Sátiro Dias, perto de
Alagoinhas e não muito longe de Feira de Santana, assim escreveu para mim e se
descreveu nas dedicatórias de seus livros:
“...com admiração e afeto, do velho escriba...”
“Com o carinho deste seu mais novo velho aluno...”
“...que maravilha conhecer você. Beijos afetuosos...”
“Minha mais nova velha amiga, com a consideração e o
apreço deste escrevinhador.”
Essa gentileza, a meiguice, a simplicidade de Antônio
Torres me cativaram. Até hoje me chama de caríssima ou ilustríssima... coisa
recente, mas desde que fazia o “Poesia aos domingos”, enviando um poema (por 10
anos o fiz), somos amigos em trocas de mensagens, antenados no desfrutar desta
paixão pela literatura, pela arte.
Antônio Torres confessa que queria ser Castro Alves quando
criança, mas foi aos 20 anos que chega em São Paulo, onde foi chefe de
reportagem de esportes do jornal “Última Hora”, depois redator de publicidade,
tendo trabalhado em algumas das principais agências do país, tanto em São
Paulo, como no Rio de Janeiro. Estreou na literatura em 1972, com o
romance Um cão uivando para a Lua, considerado pela crítica a
revelação daquele ano. Quase 20 livros publicados em editoras como a
Record, a Ática, a Companhia das Letras, em décadas de afirmação. Geralmente a
crítica destaca a trilogia formada por Essa terra (1976), O
cachorro e o lobo (1997) e Pelo fundo da agulha (2006).
Detalhes biográficos complementam a trajetória de sucesso
do escrevinhador. Em 1998, foi
condecorado pelo governo francês como Chevalier des Arts et des Lettres por
seus livros traduzidos na França. Dois anos depois, teve o reconhecimento
nacional ao receber o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de
Letras, pelo conjunto de sua obra.
Antônio Torres foi também um dos ganhadores do Prêmio
Jabuti de 2007, com o romance Pelo fundo da agulha. Seus livros têm
tido várias edições no Brasil e traduções em muitos países (Argentina, Cuba,
Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra e
Israel). O romance Essa terra está em vias de tradução – ou já
foi traduzido - na Bulgária, Albânia e Vietnã.
De 1999 a 2005, foi Escritor Visitante da UERJ –
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – quando ministrava oficinas
literárias, realizava aulas inaugurais e proferia palestras no campus do
Maracanã, da Faculdade de Formação de Professores – UERJ de São Gonçalo – e da
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – UERJ de Duque de Caxias. Pertence
também à Academia de Letras da Bahia, na qual ocupa a Cadeira 9, sucedendo a
João Ubaldo Ribeiro. É também membro da Academia Petropolitana de Letras, e
sócio-correspondente lusófono da Academia de Ciências de Lisboa.
Mas, sem dúvidas, sua consagração definitiva se deve ao
fato de ter sido eleito, em 7 de novembro de 2013, para Academia Brasileira de
Letras, cadeira 23, cujo patrono é José de Alencar. Merecido prêmio, reconhecido
pelo seu talento artístico.
Antônio Torres é, sobretudo, lembrado pelo romance Essa Terra, uma alegoria do sertão contemporâneo, uma obra muito além de possíveis clichês ou estereótipos. O nômade Totonhim, como o autor também foi chamado, vai e volta em um sertão que se constrói como referência ficcional, pois nele interagem pessoas, cantos e recantos. De vida e de afetos. Linguagem que se refaz, como metáfora do mundo.
Pessoalmente, Antônio Torres e eu, só nos conhecemos no Clisertão - Congresso do Livro, Leitura e Literatura no Sertão - em Petrolina, PE, 2012, quando fomos homenageados. E fato significativo aconteceu quando fui mediadora na mesa entre Antônio Torres e Raimundo Carrero, então se recuperando de um AVC. O debate sobre o sertão mítico e contemporâneo foi revelador. Na plateia, Ariano Suassuna deu também um depoimento bastante emotivo, um episódio memorável para todos os presentes.
https://www.youtube.com/watch?v=bQqudr8youw
4 minutos inolvidáveis... vale a pena assistir e comprovar.
Mas, entre sua obra numerosa,
quero citar uma delas com um diferencial marcante: Carta ao Bispo, cuja
primeira edição foi de 1979. A ideia do livro partiu de um fato singular, um
mistério e um suspense do qual Antônio Torres conseguiu montar uma ficção
intrigante, sem recursos fáceis ou uma lógica catalizadora para uma “explicação
possível”. O fato: uma carta deixada para o bispo de Juazeiro de um suicida,
que se matou no interior da diocese. Fato real, chocante, porque estava de
casamento marcado e o teor da carta jamais foi revelado.
Escreve Antônio, no início do livro:
“Agora ele está só, tão desgraçadamente só quanto no dia
em que nasceu. Mas agora ele dispensa a parteira e já não precisa mais berrar
ao mundo que está só.
É como se você finalmente pudesse reunir todos os seus
pedaços deixados pelas estradas, para recompor-se com as suas próprias mãos:
mesmo que sua carne já tenha sido servida aos abutres, ainda assim você irá
agarrar-se à sua ossada, irá defendê-la junta por junta, até lá, debaixo da
terra, por debaixo do chão.
Este é o instante: mais só do que nunca, Gil nunca
esteve tão completo. E no entanto ele está se preparando para morrer, o que é
bastante diferente de estar se despedindo da vida. Pura e simplesmente isto:
Gil quer morrer. E vai para a morte como se fosse para o altar, levando em seus
braços a rainha da boca da noite.”
Seria preciso ler o livro todo para se dar conta do estilo
e dos procedimentos narrativos usados por Antônio Torres. Mais do que um exemplo de “discurso indireto
livre”, o escritor trabalha com vozes e consciências diversas, deixando para o
leitor sua inquietude e a do próprio personagem. O posfácio da 3ª edição de Carta ao Bispo, pela Editora
Record, publica a apreciação de Caio Fernando Abreu, da qual destaco: “Perdedor
da vida, resta a Gil a vitória, ou pelo menos a escolha, da própria morte. Ao
autor, por outro lado, segundo a epígrafe de Nietsche, resta apenas arte, para “não
morrer de verdade”. Essa arte, em Antônio Torres, é frequentemente atingida, em
cheio, através da palavra escrita.”
Questionado sobre a relação entre a obra e a vida pessoal,
Antônio deixa claro que a linguagem literária é representação, quando esclarece
esse fazer: “Um ponto de partida: um caso real que me contam, uma lembrança de
um rosto, de uma voz, de uma situação que me marcou. Mas o começo depende da
primeira frase. Ela é que vai dar o tom do texto, e puxar a fabulação.”
Antônio Torres disse uma vez que temos autores de mais e
leitores de menos... O leitor contemporâneo sempre será incompleto, mas a
motivação para nossas opções de leituras são também rescaldo de uma oferta que faz
sentido para nossas vidas. Por isso lemos, por isso escolho autores como
Antônio Torres.
Elisabet Gonçalves Moreira
Petrolina 30 de abril de 2021.
Parabéns Bet por mais um nobre e significativo trabalho. Vc faz por onde merecer e merece ser reverenciada , respeitada e amada. Uma mulher amante e fiel a literatura sendo este o seu propósito singular na sua vida. Gratidão pela partilha de informações e produções fundamentais no universo literário.
ResponderExcluirObrigada amiga Sida... nem tanto. Partilhamos este gosto.
ResponderExcluirHá em Antônio Torres, singularidade, sensibilidade e responsabilidade em transmitir sentimentos. Viva Antônio Torres! Viva Bet com sua formosura no tratamento desses sentimentos pela escrita.
ResponderExcluirFoi fundo Rúbia. Obrigada.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir