ATO
CONTÍNUO
A menina gostava
de ler. Sabia que isso era importante. Quem lia mais, sabia de tudo. E podia
impressionar qualquer um.
Onde ler?
Para não ser incomodada com o barulho irritante da casa viva, dos irmãos
correndo, da mãe sempre a chamando para fazer isso ou aquilo, Corina lia
embaixo da cama. Naquele espaço sombreado, sem calor, viajava nas aventuras,
beijava nos amores, sentia emoções e comichões que não lhe eram permitidas.
Transportava-se
para seu personagem do dia. Um homem relativamente idoso, moreno claro, que lia
também. Sem precisar se esconder, lia às claras, mesmo sendo noite, com um
abajur em foco sobre o livro encadernado. Sentado confortavelmente numa
poltrona que, mesmo reformada, tinha uma aparência de antigo mobiliário. Seus
pés repousavam num pufe, parte da poltrona.
A sala de
uma pequena biblioteca doméstica estava atulhada de livros nas estantes de
alumínio, bem acessíveis no mercado, além de tralhas espalhadas aqui e ali. Um
telescópio que nunca foi usado, alguns remédios, caixas com material de pesca,
uma placa comemorativa, antigas fitas cassete de cursos de língua que esperavam,
há décadas, uma aprendizagem além do primeiro módulo.
Mas ali ele se
sentia seguro, sem nada que lhe incomodasse. Corina sabia disso, antevendo um
futuro no próximo século. Não era bem o que ela queria, sonhando com um herói
de romance, mas a vida lhe ofereceu um leitor. Sem mais ilusões, ele lia um dos
muitos diagnósticos da realidade econômica e social, onde teorias da
conspiração manipulavam a história.
Corina achegou-se
por detrás, procurando seu livro de contos para uma referência, estantes
laterais naquele mundo especial de enlevo e prioridades. Não havia muito o que
falar entre os dois, só ler. Ela estava exausta de tanta solidão a dois. Nada
era mais possível. A vida havia escoado e tudo eram apenas lembranças
registradas nos álbuns fotográficos enfileirados na parte inferior da estante mais
larga.
Naquele momento
ela viu que poderia mudar o destino, se ambos quisessem. Ele não quis.
Continuava a ler, como sempre. Não havia nada que pudesse mudar o roteiro.
Então Corina
voltou para debaixo da cama.
Amassam-se os sonhos nos volantes conferidos da loteria
Quinas, senas, seis jogos diversos
Diversos tentos, tento versos
O grande prêmio que nunca chega
Jogo adiado... jogando.
(16/05/21)
Cultivo antúrios.
De preferência vermelhos.
Há antúrios miniaturas.
Encolheram.
Como os espaços e tempos do hoje
Mas um pênis ereto se eleva prenhe além do verde
Que penso ao vê-los em desafios cotidianos??
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