Bet com t mudo

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BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

terça-feira, 1 de março de 2022

CARNAVAL SEM CARNAVAL


Dinara me pergunta: Você gosta e brinca carnaval?

Não consigo responder diretamente... De qual carnaval? Ela envia uma avalanche de postagens, como fã e entusiasta do carnaval da cidade do Recife, onde mora, de lembranças do frevo, de compositores e maestros, de tantos blocos e fantasias.

Nunca ao vivo, vi. Nunca desci (ou subi) as ladeiras de Olinda na folia, mas gostaria de ter tido essa chance, de ter participado dessa diversidade de festas, de ritmos e ter me despojado de muita repressão e pudor. Circunstâncias pessoais e familiares, até mesmo de contexto histórico, não me deixaram “cair na folia”.

Em minha infância, antes de morar em São Paulo, numa pequena cidade do interior, minha mãe não me deixava brincar carnaval, nem pensar nisso eu podia! Para ela, filha de imigrante italiano, absurdamente católica, o Carnaval era a festa do diabo. Quem participasse, era um pecador sem salvação.

Principalmente para mim isso foi um trauma... sim, porque todas as minhas amiguinhas participavam, iam aos bailinhos infantis, com fantasias, confetes, serpentinas e... lança-perfume. Era a moda das marchinhas, que se cantava com entusiasmo. Havia desfile alegórico e ainda pude assistir alguns, mas nem pensar em brincar.

Fui buscar esta foto no meu álbum. Minhas amiguinhas fantasiadas. A mãe de Nilzinha chegou a implorar para minha mãe deixar que eu participasse... como eu chorei! Hoje penso também que ela talvez não tenha deixado por uma questão de dinheiro para a fantasia, mas mesmo sem fantasia nunca pude brincar carnaval. Aliás, eu era proibida de usar shorts ou calça comprida! Só quando moça, trabalhando, comprei minha primeira calça comprida, uma rancheira, o jeans daqueles tempos.

Mas há uma passagem especial, do carnaval de 1969, quando, jovem e estudante em São Paulo, viajei, com alguns amigos, para o Rio de Janeiro. Fui expectadora, uma única vez, de um desfile das escolas de samba quando não existia Sambódromo, ainda na Avenida Presidente Vargas.

O Salgueiro arrasou, com o samba enredo Bahia de Todos os Deuses, cantado por Elza Soares.  As cores vermelho e branco, o ritmo, tudo tão empolgante!

“Terra abençoada pelos deuses
E o petróleo a jorrar
Nega baiana
Tabuleiro de quindim
Todo dia ela está
Na igreja do Bonfim, oi
Na ladeira tem, tem capoeira
Zum, zum, zum, zum, zum, zum
Capoeira mata um
Zum, zum, zum, zum, zum, zum
Capoeira mata um
Zum, zum, zum, zum, zum, zum
Capoeira mata um”

O fato de ter ficado a noite sem dormir e o calor impiedoso, quase me fizeram sucumbir... sempre fui muito frágil fisicamente para aguentar este tipo de “repuxo”. Mas, à noite, não pude deixar de ir ao famoso baile gay do Scala. Que experiência! O que vi jamais sairá de minha memória!

Fiquei num canto com um amigo que não foi dançar, mas percebia seu olhar mais do que curioso. Hoje, até me lembro que não havia lésbicas ou gêneros afins, somente homens. 

Pois bem, quem eu vi lá? Um homem lindo, engenheiro na empresa onde eu trabalhava em São Paulo, aos beijos e abraços com outros homens. Ele fingiu não me ver - ou não me reconheceu mesmo - e eu também “fiquei na minha”. Quem iria supor que eu também estaria lá, no Rio, e num baile gay... Na empresa ele era altivo e sério, paquerado por todas as moças, um dos poucos solteiros. Quando voltei para o trabalho, nunca disse nada e ele também continuou a não me reconhecer.

São Paulo, capital, no final dos anos 60 e início da década de 70, não era uma cidade carnavalesca, bem o sabemos. Pode ser que hoje isso esteja diferente, mas não havia um carnaval onde pudéssemos, inclusive, nos sentir seguros. Havia uma ditadura militar em pleno exercício. Ademais, eu não tinha nem tempo nem condições para brincar o carnaval, casada, estudando e com filho pequeno.

Morando depois em Petrolina, também não tive ocasião de brincar carnaval. Era uma forasteira, sem vínculos com a festa que, por sinal, era bem restrita.  Minhas filhas, quando jovens, foram se divertir do outro lado do rio, em Juazeiro da Bahia, nos tempos das bandas do Axé, muito mais animadas. Mas, esse tipo de festa não fazia gosto para mim, nem para meu marido.

Ainda teve um ano que fomos para Salvador, depois de muita insistência minha. E foi um desastre... não dava para acompanhar trio elétrico, era tudo muito longe, as crianças eram pequenas, não havia amigos ou parentes para nos dar um suporte. Recife, muito menos.

Estou me justificando muito, mas para mim isto funciona também como uma explicação. Hoje, aos 75 anos, é bom repensar, já que não dá para reviver o que não foi vivido. Nem o será, na festa proibida onde a máscara não é fantasia...

Não brinco, não brinquei... nem na ala das baianas, nem no Bloco da Saudade.

 

Petrolina, 1 de março de 2022


 

4 comentários:

  1. Que texto , mexeu com o meu emocional já que gostaria que como eu vc tivesse brincado um pouco do carnaval. Não esse de hoje, mas o que brinquei a muitos anos passados. Vivenciar a alegria de forma bem colorida, sem medo de violência e outras tantas que já não se experimenta hoje,principalmente em tempos de guerras, de falta de amor. A vida... Como ela precisa conhecer uma variedade enorme de experiências para torna- se cada vez mais rica. Quanto mais conhecemos diferentes aspectos da existência e ainda sim continuamos inteiros e centrados, mas a nossa vida se torna enriquecida. Assim foi para mim o carnaval dos meus 16 aos trinta anos
    . Um grande aprendizado que jamais esquecerei. Parabéns pelo seu profundo e verdadeiro texto Beth . Vc sendo um pedaço da vida com certeza teve outros privilégios que não foram carnavais, mas vc experimentou a vida em si a qual a maior parte não acontece em gotas. Grandes e tantos outros momentos que e quantas vezes até quebrados foram divinos.

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    1. Muito obrigada querida desconhecida, Cida... palavras bem ditas, benditas... a vida, sim, nela tudo aprendemos.

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  2. Seu texto cutucou outros contextos...Também faço parte desse bloco, não tive a chance cair na gandaia por motivos similares. Carnaval de verdade foi conquistar outros espaços "fora da folia", abrir alas para as jornadas do cotidiano,sambar com os filhos, sangrar com os preconceitos...Muita luta no pé até ser regente da própria vida. Nesse samba construimos o enredo.

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  3. Obrigada Auxiliadora, mulher e poeta sensível. Nos irmanamos e continuamos...

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