Bet com t mudo

Minha foto
BET COM T MUDO... Quem me conhece, reconhece? Já me imagino receptora deste blog. Quem é esta mulher? Quem é esta Eli, Elisa, Betina, Betuska, Betî, resumida numa Bet com t mudo? Esta afirmação diminuta diz (ou desdiz?) uma identidade... Assim, quem sou eu? Sou (sim) uma idealizadora das pessoas, das relações, das amizades, das produções minhas e dos outros. Consequência: um sofrimento que perdura... na mulher crítica que procura saber e tomar consciência finalmente de quem é e do que ainda pode fazer (renascer?!) nesta fase da vida, um envelhecimento em caráter de antecipação do inevitável. Daí a justificativa do blog. Percorrer olhares, visualizar controvérsias, pôr e contrapor, depositar num receptor imaginário (despojá-lo do ideal, já que eu o sou!) uma escrita em que o discurso poderá trazer uma Bet com t falante... LEITURAS, ESCRITAS, SIGNATURAS...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

2016 em 4 de janeiro: marcando o início de um propósito

Não dá mais para adiar... pensando e pensando, algo aqui vai, como registro e memória desta Bet com t mudo...
Um conto, escrita criativa.... bissexta sou, mas capaz de escrever algo assim.


Menina do rio

Elisabet Gonçalves Moreira

Na periferia da cidade, às margens do grande rio, Jucilene vivia solta como os cachorros e porcos, sempre procurando algo para comer. Um pé de goiabas era seu refúgio quando os outros meninos não estavam por lá ou quando estavam nadando. Dali ela podia olhar o horizonte, acompanhar o pôr do sol e sonhar como só as meninas sabem.

Havia tantas histórias do rio... tantos naufrágios de vidas incompletas. Jucilene não temia o rio, e, sim, suas margens. Riam dela porque falava sozinha. Sozinha não. Falava mais com o vento, com as goiabas, até com os girinos e peixinhos que se arriscavam nas beiras e menos com  o pessoal, pescadores de gerações no ofício.

Toinho, filho de seu Dedé, que vendia peixes numa banquinha subindo a rua, lhe deu de presente um pequeno cágado que conseguira tirar de uma rede. Nos olhos do bicho, ela não reparou nos olhos esverdeados do menino que pediam uma troca.

Então ela deu, sem vergonha. Ele a tocou, seus peitinhos endureceram, brincaram no chão, até gostou. Toinho foi embora rápido. Jucilene se banhou no rio e percebeu que podia ser assim, ter e ser o que quisesse. Então  decidiu seu destino, virou sereia de água doce, para dar e trocar presentes.

Foi assim que o cantar de Jucilene se espalhou  naquelas beiras. Nunca mais lhe faltou comida, ela que era também refeição de pobre.  Até Joca, o surdo, ouviu e vibrou nos atos de sonhos possíveis.

O pequeno cágado, como ela, foi crescendo e parece que também entendeu os desígnios dos seres terrestres e aquáticos,  metades que se completam. Livres os dois, companheiros da solidão. E daí que começaram a dizer que Jucilene estava doida, que era feiticeira, que o cágado se transformava em homem, que isto e mais aquilo.

Toinho e outros agora rapazes foram atrás dela debaixo da goiabeira. Pegaram o cágado que estava bem ali, no refluxo do rio, e cortaram sua cabeça. Dessa vez Jucilene  reparou nos olhos esverdeados de Toinho que dera e tirara. E de sua fúria, iam se ver. Jucilene se escondeu no rio e juntou suas lágrimas com as águas da correnteza.

Assim que a canoa dos pescadores saiu nos riscos da aurora, Jucilene  falou com o rio, com o vento. Bateu seus braços na água com vigor. E tudo se turvou. No desespero, os homens ainda lhe pediram ajuda, mas Jucilene apenas sorriu,  como só as mulheres sabem.


Petrolina, 2 de fevereiro de 2015






12 comentários:

  1. Parabéns pela estréia e por nos presentear com este belo conto no Ano Novo! Tantas histórias e estórias nestas águas!

    ResponderExcluir
  2. Filha de muito amor... lá e cá!
    Obrigada, thanks

    ResponderExcluir
  3. Bet, parabéns pela iniciativa e coragem de nos apresentar um pouco de suas experiência e vivências por meio de narrativas às vezes situadas num espaço híbrido e indecidível...em meio a experiências, memória, lembranças e vivências e um cotidiano indeciso...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amigo de muito estímulo... indecidível é este carinho.
      Obrigada
      Bett

      Excluir
    2. grato pelas palavras e pelos laços de amizade e poesia.
      inté!
      m.t.

      Excluir
  4. Será mais uma maneira de você contribuir com a literatura. Boa sorte.

    ResponderExcluir
  5. Parabéns, Bet! Que maravilha ver sua produção abrindo este espaço de troca! Estou cá pensativa com o conto...
    Obrigada por partilhar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Cris, digo eu. Até pq vc ficou "pensativa" com o conto.
      Assim imagino a arte, aquela que nos faz refletir de algum modo.
      E aguarde mais uma postagem.

      Excluir
  6. Respostas
    1. Oi Genoveva, que legal sua percepção... quem sabe? Adorei, obrigada,
      ah, hoje posto mais um texto

      Excluir
  7. Congratulações nobre escritora,
    Parece-me relacionar-se com os motivos pelos quais uma mulher diferente faz escolhas ou foge das opções não satisfatórias que se lhes apresentam, e louvo a sua escolha do lúdico, da fábula, para justificar ou defender essas mulheres magníficas. Creio que não foi aleatoriamente a construção desse texto de abertura e ouso atrelar a alguma personalidade marcante que lhe marcou em dado momento, no seio do nosso contexto, para além de ser uma curiosidade pessoal, um devir ainda a ser desvendado.
    Parabéns.

    ResponderExcluir